São Paulo, sábado, 11 de março de 2006

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"APRENDI COM MEU PAI"

Personalidades contam lições paternas

MARCELO PEN
CRÍTICO DA FOLHA

"Meu pai foi o homem da minha vida. Casei várias vezes porque procurava nos homens alguém que tivesse a ver com ele", diz Alice Carta, sem receio de sugerir um complexo de Electra pelo pai, Jorge Besterman, pioneiro do ramo automobilística. O depoimento está em "Aprendi com Meu Pai", livro concebido pelo jornalista Luís Colombini, no qual 54 personalidades contam qual foi a maior lição que o genitor lhes ensinou.
A obra dialoga com o sucesso brasileiro "Dois Filhos de Francisco", filme que mostra a importância da figura paterna na formação de uma dupla de cantores sertanejos. Não por acaso o testemunho da dupla Zezé Di Camargo e Luciano como que sela com chave de ouro o volume.
Mas a lição mais comovente do gênero continua exposta no romance do russo Ivan Turguêniev, cujo título é justamente "Pais e Filhos" (Cosacnaify).
Nele, o estudante Bazárov chega à casa dos pais, modestos proprietários de terras, após uma ausência de três anos. Sua estada é curta. Embora os velhinhos façam tudo para agradá-lo, o jovem revolucionário não se sente à vontade com o passado senhorial que eles representam.
Desconsolada com a partida abrupta do filho, a mãe diz ao marido: "Que se há de fazer, Vássia? Um filho é um pedaço cortado de nós. Ele é um falcão: sentiu vontade, voou para cá; sentiu vontade, voou para longe; mas eu e você, como cogumelos no oco de uma árvore, ficamos pertinho um do outro, sem sair do lugar".
Para fazer justiça à herança de cada pai, os depoimentos do livro de Colombini, também o imobilizam em momento ou momentos do passado. Eles tornam-se cogumelos ou árvore, para os atuais filhos-falcões.
Cássio Gabus Mendes recorda-se do pai, o novelista Cassiano, procurando defender da polícia uns garotos que vendiam água sem licença no parque do Ibirapuera. Maurício de Souza lembra seu Antonio reunido com amigos seresteiros numa casa funerária. Entre flores e caixões, o grupo costumava entoar sucessos da Rádio Nacional.
Em Turguêniev, o conflito se dá pelo choque de gerações na velha Rússia czarista. Aqui não há propriamente conflito (a não ser em poucos casos, como o de Arnaldo Jabor, para quem o pai moralista lhe traz "fantasias de extinção") mas também, de par com as lições, mostra nacos recuperados da história brasileira.
Seja na cena do pai de Roberto Duailibi investindo contra padres salesianos em Campo Grande; seja na prova de que o pai de Paulo Autran, para o desprazer do filho pequeno, era um delegado incorruptível; sejam nas pinceladas de artista diletante do pai de José Mindlin: em qualquer um destes e em outros casos, evidencia-se a nostalgia por um tempo que só não se sepultou porque as lembranças e o saber transmitidos aos filhos hoje bem-sucedidos continuam a reproduzi-lo como exemplo ao futuro.


Aprendi com Meu Pai
   
Autor:
Luís Colombini (organizador)
Editora: Versar
Quanto: R$ 34,90 (256 págs.)


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