São Paulo, sábado, 11 de março de 2006

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CRÍTICA CULTURAL

Livro de colunista da Folha é fruto de curso de jornalismo

Coelho mapeia e interpreta debate cultural do século 20

FÁBIO DE SOUZA ANDRADE
COLUNISTA DA FOLHA

A formação e o percurso do articulista da Folha Marcelo Coelho adensam os dois termos que segmentam a sobriedade com que o título apresenta o espinhoso assunto de seu último livro, a crítica cultural jornalística.
Sociólogo uspiano que nunca fugiu à mediação dos conceitos para melhor entender os fenômenos da cultura em sua raiz histórica, o autor afinou tom e escolhas ao longo de mais de 20 anos de contínuo exercício da crítica de arte na imprensa.
Ao contrário de coletâneas anteriores, como "Gosto se Discute" (Ática, 1994) e "Trivial Variado" (Revan, 1997), que reuniam textos diversos publicados ao longo dos anos, este "Crítica Cultural - Teoria e Prática" nasce de uma experiência didática precisa -Coelho foi professor de alunos de graduação na Faculdade Cásper Líbero, entre 1997 e 2003- e uma inquietação: como iniciar os alunos aos problemas do jornalismo cultural brasileiro, hoje, sem cair no lugar-comum e meia-verdade de um diagnóstico catastrofista e apocalíptico do estado de coisas atual, conservador por natureza?
A estratégia encontrada, feliz, foi ordenar as dificuldades envolvidas em torno de quatro debates cruciais à melhor compreensão dos papéis jogados contemporaneamente pelos artistas e pela crítica de arte, no Brasil e no mundo, apresentando-os por uma leitura cerrada de textos críticos exemplares, num espectro amplo que vai da resenha ao ensaio de fôlego.
A vantagem desse mosaico teórico está em situar o choque de idéias, evidenciando movimentos ideológicos e interesses envolvidos, sem perder o chão da forma concreta que eles assumiram na expressão dos críticos.
Assim, a análise detida de "Paranóia ou mistificação?", como passou a ser conhecido o texto em que Monteiro Lobato reagia, em 1917, à novidade da pintura expressionista de Anita Malfatti, é pretexto para o exame da linguagem polêmica em que crítica conservadora e manifestos vanguardistas curiosamente se encontram e para a discussão dos mecanismos pelos quais convenções formais datadas deslizam para normas naturalizadas, sempre encontrando seus cães de guarda.
O debate especificamente local se desdobra na chave mais geral das relações entre o moderno e os movimentos de vanguarda do alto modernismo em escala mundial. Coelho apresenta, sem facilitar, as várias e contraditórias faces que assumem a defesa da arte moderna e a reação a ela. Convocando nomes como Ortega y Gasset, Clement Greenberg, Eliot e Valéry, Weber, Bloch e Lukács, explicita os critérios por trás de seu repúdio ou acolhimento do humanismo clássico, do realismo, de suas posturas elitistas ou democratizantes em relação à arte como instituição.
A decisão de recuar ao modernismo e à disputa de valores em torno dos fenômenos da cultura de massas não impede o livro de voltar-se para questões estéticas imediatamente presentes no debate atual. A leitura que Ferreira Gullar faz de dois poemas de João Cabral, por exemplo, serve à discussão do binômio nacionalismo/cosmopolitismo, e encerra o volume a polêmica em torno do conceito de pós-moderno, igualmente apoiada em exemplos generosos. Didático, mas não sensaborão, "Crítica Cultural - Teoria e Prática" mostra um crítico atilado que não se furta ao exame contínuo de seus pressupostos nem esconde a história de seus critérios.


Crítica Cultural - Teoria e Prática
   
Autor:
Marcelo Coelho
Editora: Publifolha
Quanto: R$ 39 (352 págs.)


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