São Paulo, domingo, 11 de abril de 2004

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ARTES

Visitação a museus e igrejas detentores de obras sacras históricas aumenta com interesse gerado por festa religiosa

Páscoa motiva "peregrinação" cultural

ALEXANDRA MORAES
DA REDAÇÃO

LUCRECIA ZAPPI
FREE-LANCE PARA A FOLHA

A cada ano o milagre se repete. A cerimônia da ressurreição de Cristo culmina com igrejas iluminadas pelas velas dos fiéis, à meia-noite. Até o início do século 20, nas procissões, Cristos e Madalenas eram suspensos nos cortejos. Mas hoje eles não costumam mais sair. Ficam nas igrejas e museus à espera de seus visitantes.
A diretora do Museu de Arte Sacra de São Paulo, Mari Marino, diz que a instituição costuma receber na Páscoa cerca de 30% de visitantes a mais do que nos demais feriados -com exceção do Natal, quando, segundo Marino, o número de freqüentadores do museu chega a dobrar.
Para o período da Páscoa, o museu procura evidenciar os passos da Paixão e da ressurreição de Jesus Cristo. "O interesse é muito grande, o público do museu demanda mais explicações", diz a diretora, que destaca das cerca de 4.000 obras do MAS a "Nossa Senhora das Dores" de Antônio Francisco Lisboa, o Aleijadinho (1730-1814), "uma das mais requisitadas para exposições fora".
Outros destaques, segundo Marino, são a "Maria Madalena", de Francisco Xavier de Brito, do século 18, "Espírito Santo", do século 17, e "Nossa Senhora da Luz", do 16, a mais antiga do acervo, que dá nome ao bairro do museu.
Mas ver arte sacra nas igrejas da cidade significa acompanhar de perto o discurso artístico religioso em seu próprio contexto. Um dos símbolos culturais de poder e prosperidade que cruzam séculos de Brasil colonial e imperial, a Igreja de São Bento, pertencente ao mosteiro de São Bento, tem algumas imagens que revelam o valor estético religioso paulistano.
Duas imagens na igreja, uma de São Bento e outra de sua irmã, a Santa Escolástica, chamam a atenção do pintor e monge Carlos Uchôa, morador do próprio mosteiro há oito anos: "Essas duas esculturas foram feitas quando houve a ampliação do mosteiro e da igreja, em 1650, através de uma doação de Fernão Dias", diz.
O autor das estátuas de barro é o frei Agostinho de Jesus, aluno do frei Agostinho da Piedade (1600 ou 1610-1661), professor do mosteiro de São Bento da Bahia.
Na pintura, o monge recorda os afrescos de Frei Jesuino do Monte Carmelo (1764-1819), do século 18, na Igreja da Ordem Terceira do Carmo, construída em 1804.
Carlos Lemos, professor de História de Arquitetura da Faculdade de Urbanismo e Arquitetura da USP e especialista em arte sacra de SP, cita as imagens de barro dos bandeirantes como grande destaque dos séculos 17 e 18.
Lembra também os retábulos primitivos na igreja do Sítio de Santo Antônio, em São Roque. "São muito interessantes. É uma releitura de um retábulo erudito." O sítio pertenceu ao bandeirante Fernão Paes de Barros.
Mas a grande expectativa desta Páscoa, ironicamente, é uma crucificação, a "Crucificação de Cristo", um óleo sobre madeira com moldura original, de autoria de Jan van Dornicke (1470-1527). A obra do renascimento flamengo é a mais nova doação ao Masp, vinda da Colnaghi Gallery de Londres e avaliada em mais de US$ 1 milhão. Além dessa, José Roberto Teixeira Leite, professor de História da Arte da Fundação de Instituto de Ensino para Osasco e professor aposentado da Unicamp, recomenda "A Virgem em Lamentação", de Hans Memling (1435-1494). Ambas serão vistas a partir de terça no Masp, na mostra "A Crucificação de Cristo e o Renascimento Nórdico".
O universo artístico-religioso paulistano tem uma relação quase automática com o passado, com poucos exemplos atuais. Uchôa cita as pinturas de Fulvio Pennachi (1905-1992), a serem vistas na Igreja da Paz, no largo do Glicério.
Outro exemplo de expressão moderna dentro da temática sacra são, segundo Uchôa, algumas telas de Alfredo Volpi (1898-1988), que, como Pennachi, pertenceu ao grupo Santa Helena, no início dos anos 30. Volpi realizou pinturas e vitrais para a Capela do Cristo Operário, no Jardim da Saúde. A construção e suas obras foram tombadas em março pelo Condephaat, órgão de defesa do patrimônio histórico de SP.


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