São Paulo, sexta-feira, 11 de maio de 2001

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"SNATCH - PORCOS E DIAMANTES"

Tramas de Guy Ritchie estilizam violência

TIAGO MATA MACHADO
CRÍTICO DA FOLHA

Dos discípulos de Quentin Tarantino, Guy Ritchie é, decerto, o mais talentoso. Nos filmes de Ritchie, a imbricação de tramas das narrativas circulares tarantinescas já não é um mero artifício de roteiro.
Ela introjeta-se no trato das imagens e na montagem, como se Ritchie incrementasse, com sua habilidade para dissecar e manipular as imagens, roteiros da grife "Tarantino".
Mas esse aperfeiçoamento formal também diz respeito à estilização da violência. O passo à frente que Ritchie dá em relação a Tarantino logo se revela dos mais temerários.
O último e mais polêmico clipe de Madonna, criado por Ritchie (o novo maridão da cantora), é a maior evidência: sem uma verdadeira trama que a sustente e reduzida a fins estéticos, a violência de Ritchie revela, nesse clipe, a gratuidade que lhe é inerente.
Em "Snatch - Porcos e Diamantes", a voz de Madonna se faz ouvir no rádio do carro de um matador, "Tony Seis Balas", enquanto este enforca uma de suas vítimas pela janela, com o carro em marcha. Ritchie, "the Guy", o bad boy de Londres, está mal começando a brincadeira.
Quanto mais rápido ele girar a manivela de sua máquina de guerra, mais assassinatos ele poderá fabricar por minuto. O jogo que ele nos propõe é uma ciranda de gangsterismo multirracial no submundo do crime londrino.
A gangue dos negros é apatetada e submissa, os ciganos são traiçoeiros, os russos, carniceiros, e os judeus, falsários gananciosos. Desnecessário dizer que os heróis da fita são, afinal, legítimos bad boys ingleses, que não entram no jogo para perder.
O fato é que, volta e meia, quando a coisa aperta, eles soltam exclamações do tipo: "Odeio ciganos!" ou "Odeio russos!". Guy Ritchie quer manter a sua fama de mau, mas ele talvez não seja "macho o suficiente" para assumir que também não gosta de negros e de judeus.
Ao que parece, o verdadeiro público-alvo de seu filme são os hooligans europeus, carecas neofascistas e adjacências chauvinistas.
Mais do que a xenofobia latente, essa espécie de multiculturalismo às avessas que, como o diamante que serve de eixo à narrativa, está no cerne do filme, o que chama a atenção em "Snatch" é a ausência quase completa de personagens femininos.
O universo de Ritchie, "the Guy", é tão infantil que ainda não concebeu direito o "sexo oposto". Não por acaso, o único personagem feminino do filme é o de uma mãe.
O clube do bolinha é mais ou menos o mesmo de "Jogos, Trapaças e Dois Canos Fumegantes", o filme de estréia do diretor. Brad Pitt e (seu clone chicano) Benicio del Toro são os novos cupinchas da gangue: "the Guy" está em alta no mercado.
Quem sabe agora, que se casou com Madonna, ele não resolva desvirginar o seu mundo cão com a investida (entre porcos e diamantes) de uma "cachorra", como fez Tarantino com a musa do "blaxploitation", Pam Grier, em "Jackie Brown"? Quem sabe, enfim, Ritchie não descubra em sua Madonna uma espécie de Jackie Blonde?

Snatch - Porcos e Diamantes
Snatch
   
Direção: Guy Ritchie Produção: Inglaterra/EUA, 2000 Com: Benicio del Toro, Dennis Farina, Vinnie Jones, Brad Pitt Quando: a partir de hoje nos cines Interlagos, Ipiranga, Shopping D, Tamboré e circuito

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