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CINEMA/ESTRÉIAS
"POLLOCK"
Longa é dirigido pelo ator que também conta com Marcia Gay Harden, Oscar de melhor atriz coadjuvante
Ed Harris humaniza mito do pintor
CÁSSIO STARLING CARLOS
FREE-LANCE PARA A FOLHA
Nos anos 50, alguns críticos
franceses criaram o conceito
de "cinema de autor", na tentativa
de distinguir os artistas responsáveis por elevar o cinema a um patamar estético equivalente ao das
outras artes.
Parodiando esse projeto, pode-se dizer que "Pollock" pertence
com direito a outra categoria, batizada de "cinema de ator" e cujos
maiores momentos podem ser
vistos nos filmes dirigidos por
John Cassavettes e por Paul Newman.
Além de seu elenco, encabeçado
por dois talentos inquestionáveis
-Ed Harris e Marcia Gay Harden, ela premiada com o Oscar de
melhor atriz coadjuvante deste
ano pela atuação neste filme-,
"Pollock" distingue-se muito graças à atuação de Harris na função
estreante de diretor.
Como se pode ver com clareza
nos filmes dirigidos por Cassavettes e Newman, no "cinema de
ator" os diretores impõem processos semelhantes à ascese, o que
liberta os intérpretes da histeria
da atuação (ou do peso da representação).
Por fim, é isso que lhes permite
restituir aos personagens aquilo
que lhes pertence de direito: sua
veracidade.
Desempenhos
Centrado em uma personalidade tão geniosa quanto genial -o
pintor norte-americano Jackson
Pollock, carro-chefe do expressionismo abstrato e um dos dois
maiores artistas norte-americanos do último século-, o filme de
Ed Harris poderia ser muito popular se fosse apenas uma coleção
dos momentos fortes da biografia
do artista. Isso serviria ainda mais
se o propósito fosse difundir um
mito.
Bastaria evocar as escolhas de
Vincent Minelli na cinebiografia
"Sede de Viver" e sua eficácia na
constituição do mito romântico
em torno de van Gogh (protótipo
da idéia falaciosa de que o tormento pessoal valoriza a própria
obra).
Se faz sentido a comparação,
"Pollock" está mais próximo do
"Van Gogh", de Maurice Pialat,
no qual o gênio perde importância em proveito de uma visão prosaica do artista.
Nas mãos de dezenas de outros,
o alcoolismo e as crises de depressão de Pollock inspirariam "grandes momentos" de "overacting",
as superatuações que inevitavelmente acabam agraciadas com o
Oscar.
Contudo o que faz de "Pollock"
um belo filme é o desempenho
antiespetacular de seu ator-diretor, sua concisão, ou melhor, sua
ascese diante do próprio ego, o
que permite dar lugar a esse outro
eu, com o qual passa a "coincidir"
em vez de "representar" e, dessa
maneira, nos oferecer sua realidade.
Reumanização do mito
Mais que qualquer outra, essa
escolha permite a emergência por
meio do filme de um Pollock reumanizado (o avesso do mito, portanto), com sua dependência física, do álcool, e afetiva, da mulher,
Lee Krasner (interpretada por
Marcia Gay Harden), sua necessidade de elogios públicos, enfim,
sua fraqueza.
Um exemplo disso se vê em
uma cena-chave na qual Pollock
estende uma imensa tela em
branco, na qual deve executar
uma encomenda para a "mecenas" Peggy Guggenheim (Amy
Madigan).
A sequência é toda apresentada
como um processo que começa
com uma longa indecisão e culmina com uma ação totalmente
física do artista plástico sobre a tela.
A arte de Pollock, a chamada
"action painting", ganha ali uma
tradução cinematográfica sem
subterfúgios e também sem mistificações.
Junto com ela, o espectador adquire o direito -raro ainda- de
testemunhar que alguns gênios
são apenas demasiadamente humanos.
Pollock
Pollock
Direção: Ed Harris
Produção: EUA, 2000
Com: Ed Harris, Marcia Gay Harden,
Amy Madigan, Val Kilmer, Jeffrey
Tambor
Quando: a partir de hoje nos cinemas
Pátio Higienópolis e na Sala UOL de
Cinema
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