São Paulo, sexta-feira, 11 de maio de 2001

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CINEMA/ESTRÉIAS

"POLLOCK"

Longa é dirigido pelo ator que também conta com Marcia Gay Harden, Oscar de melhor atriz coadjuvante

Ed Harris humaniza mito do pintor

CÁSSIO STARLING CARLOS
FREE-LANCE PARA A FOLHA

Nos anos 50, alguns críticos franceses criaram o conceito de "cinema de autor", na tentativa de distinguir os artistas responsáveis por elevar o cinema a um patamar estético equivalente ao das outras artes.
Parodiando esse projeto, pode-se dizer que "Pollock" pertence com direito a outra categoria, batizada de "cinema de ator" e cujos maiores momentos podem ser vistos nos filmes dirigidos por John Cassavettes e por Paul Newman.
Além de seu elenco, encabeçado por dois talentos inquestionáveis -Ed Harris e Marcia Gay Harden, ela premiada com o Oscar de melhor atriz coadjuvante deste ano pela atuação neste filme-, "Pollock" distingue-se muito graças à atuação de Harris na função estreante de diretor.
Como se pode ver com clareza nos filmes dirigidos por Cassavettes e Newman, no "cinema de ator" os diretores impõem processos semelhantes à ascese, o que liberta os intérpretes da histeria da atuação (ou do peso da representação).
Por fim, é isso que lhes permite restituir aos personagens aquilo que lhes pertence de direito: sua veracidade.

Desempenhos
Centrado em uma personalidade tão geniosa quanto genial -o pintor norte-americano Jackson Pollock, carro-chefe do expressionismo abstrato e um dos dois maiores artistas norte-americanos do último século-, o filme de Ed Harris poderia ser muito popular se fosse apenas uma coleção dos momentos fortes da biografia do artista. Isso serviria ainda mais se o propósito fosse difundir um mito.
Bastaria evocar as escolhas de Vincent Minelli na cinebiografia "Sede de Viver" e sua eficácia na constituição do mito romântico em torno de van Gogh (protótipo da idéia falaciosa de que o tormento pessoal valoriza a própria obra).
Se faz sentido a comparação, "Pollock" está mais próximo do "Van Gogh", de Maurice Pialat, no qual o gênio perde importância em proveito de uma visão prosaica do artista.
Nas mãos de dezenas de outros, o alcoolismo e as crises de depressão de Pollock inspirariam "grandes momentos" de "overacting", as superatuações que inevitavelmente acabam agraciadas com o Oscar.
Contudo o que faz de "Pollock" um belo filme é o desempenho antiespetacular de seu ator-diretor, sua concisão, ou melhor, sua ascese diante do próprio ego, o que permite dar lugar a esse outro eu, com o qual passa a "coincidir" em vez de "representar" e, dessa maneira, nos oferecer sua realidade.

Reumanização do mito
Mais que qualquer outra, essa escolha permite a emergência por meio do filme de um Pollock reumanizado (o avesso do mito, portanto), com sua dependência física, do álcool, e afetiva, da mulher, Lee Krasner (interpretada por Marcia Gay Harden), sua necessidade de elogios públicos, enfim, sua fraqueza.
Um exemplo disso se vê em uma cena-chave na qual Pollock estende uma imensa tela em branco, na qual deve executar uma encomenda para a "mecenas" Peggy Guggenheim (Amy Madigan).
A sequência é toda apresentada como um processo que começa com uma longa indecisão e culmina com uma ação totalmente física do artista plástico sobre a tela.
A arte de Pollock, a chamada "action painting", ganha ali uma tradução cinematográfica sem subterfúgios e também sem mistificações.
Junto com ela, o espectador adquire o direito -raro ainda- de testemunhar que alguns gênios são apenas demasiadamente humanos.



Pollock
Pollock
   
Direção: Ed Harris
Produção: EUA, 2000
Com: Ed Harris, Marcia Gay Harden, Amy Madigan, Val Kilmer, Jeffrey Tambor
Quando: a partir de hoje nos cinemas Pátio Higienópolis e na Sala UOL de Cinema




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