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CINEMA/ESTRÉIAS
"TEMPO DE EMBEBEDAR CAVALOS"
Filme de Bahman Ghobadi, ex-assistente de Abbas Kiarostami, estréia em SP
Diretor faz poesia da aridez iraniana
INÁCIO ARAUJO
CRÍTICO DA FOLHA
Houve um tempo, e nem tão
distante, em que penávamos
no Brasil para compreender o que
se passava nos filmes iranianos,
tal a diferença entre os povos, os
costumes, as histórias. Hoje, o Irã
nos parece quase tão familiar
quanto os EUA, e bem mais familiar, em todo caso, do que a França ou a Itália.
"Tempo de Embebedar Cavalos" teria tudo para criar novamente essa sensação de estranhamento, já que se passa no Curdistão iraniano e aborda a vida de
uma população bem diferente daquela dos filmes de Kiarostami,
por exemplo.
No entanto qualquer espectador com um mínimo de convivência com o cinema se sentirá à
vontade nesse filme e ao acompanhar a história dos irmãos Ayoub,
Amaneh, Rojin -três órfãos de
um contrabandista na fronteira
do Irã com o Iraque.
Os irmãos, Ayoub mais que todos, dedicam-se febrilmente a
cuidar de Madi, o irmão deformado e que necessita com urgência
de uma operação para sobreviver.
Uma das razões para não sentirmos algum estranhamento em relação ao filme é, com certeza, o fato de tratar de crianças, assunto
preferencial de Abbas Kiarostami,
que parece transmiti-lo a seus discípulos (o diretor Bahman Ghobadi foi seu assistente). Outra é a
sensibilidade dos iranianos para
dirigir atores amadores.
As semelhanças param por aí, o
que é muito bom. As diferenças
também são evidentes. Em Kiarostami, para ficar com o melhor
exemplo, a infância de certo modo é uma metáfora do Irã: um país
criança, ainda aprendendo a estar
no mundo, com suas especificidades e aperfeiçoando o domínio de
suas intolerâncias.
Seu olhar é, até certo ponto, doce e distanciado. O do curdo Ghobadi é mais estritamente realista.
Não se permite os vôos estéticos
mais sofisticados a que se dedica
Kiarostami. Não é por acaso, aliás,
que Madi -o menino deformado- será o pivô de toda a trama.
Para o olhar de Ghobadi, a infância não é um estágio a se ultrapassar: é a perspectiva da morte que
se inscreve nele.
É a morte que ronda, no mais, a
existência desses irmãos de maneira incessante: atravessando
longas extensões de terra sob um
frio diabólico, trabalhando exaustivamente para ganhar alguns tostões, sendo afastados dos seus (no
caso de Rojin).
Se todo o cinema iraniano é devedor do neo-realismo italiano, o
de Ghobadi é o que mais se aproxima do primeiro De Sica, o de
"Ladrões de Bicicletas" ou "Humberto D".
O quadro chega mesmo a ser
melodramático, embora "Tempo
de Embebedar Cavalos" evite
qualquer transbordamento sentimental.
O longa de estréia de Bahman
Ghobadi foi indicado para o Oscar de melhor filme em língua estrangeira de 2000. É bem possível
que, para os norte-americanos,
"Tempo de Embebedar Cavalos"
representasse uma crítica tanto ao
Irã quanto ao Iraque -já que a
trama se passa na fronteira dos
dois países.
Essa indicação, ao contrário do
que costuma acontecer (o Oscar é
especializado em pinçar o pior da
produção mundial), não constitui
uma mácula ao filme.
Com sua tocada seca e amarga,
Ghobadi consegue fazer quase
uma espécie de "Vidas Secas" iraniano, por sua capacidade de, em
cada situação, dar conta de uma
paisagem, de um modo de vida,
de um estar no mundo que, por
árido, nem por isso deixa de ter
poesia. É o que se pode chamar de
uma bela estréia.
Tempo de Embebedar Cavalos
Un Temps pour l'Ivresse des Chevaux
Direção: Bahman Ghobadi
Produção: Irã/França, 2000
Com: Ayoub Ahmadi, Rojin Younessi,
Amaneh Ekhtiar-dini
Quando: a partir de hoje no Espaço
Unibanco e na Sala Cinemateca
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