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CARLOS HEITOR CONY
A favor da renúncia e contra a patrulha
Não participo da cólera
generalizada contra os acusados de terem violado o painel
do Senado. Acho que os três envolvidos, ACM, Arruda e Regina,
deveriam renunciar seus mandatos e cargo público não por terem
cometido uma grave e condenável falta regimental e constitucional, mas por terem mentido. Foi a
mentira que levou Nixon à renúncia da Presidência dos Estados Unidos, e não a escuta que ele
teria ordenado, autorizado ou
consentido no caso Watergate.
Os três mentiram num primeiro
momento. Somente após o laudo
técnico da Unicamp, a funcionária disse a verdade, incriminando, em grau diferenciado, mas difícil de ser apurado, os senadores
ACM e Arruda.
Um funcionário público, merecedor por estatuto de fé pública,
não poderia mentir como a ex-diretora do Prodasen mentiu, negando a violação do painel. Com
muitas razões a mais, os senadores, quando assumem a tribuna e
falam à nação como pais da pátria -a velha e hoje aposentada
metáfora que se dedicava aos senadores em outros tempos-, estão obrigados à verdade.
Todos podem mentir em suas
vidas particulares, invocando
doenças para faltar a compromissos cansativos, dizendo que estão
em reunião para não atender a
telefonemas inúteis. Ao ocuparem a tribuna do Senado ou da
Câmara, o senador ou o deputado está obrigado à verdade. Ao
assumir o mandato, o compromisso com a verdade está embutido no próprio desempenho da
função legislativa.
Feito esse longo preâmbulo, o
da renúncia como reparação do
crime que os três envolvidos cometeram, acho meio imbecil essa
onda popular a favor da castidade de um painel eletrônico que já
foi, certamente, mais violado do
que a mais veterana das prostitutas do mais antigo dos bordéis.
Na comprida sucessão de escândalos na vida pública nacional, o
fato em si é quase marginal. Revela que as instituições mais sagradas estão ocupadas por homens
que podem falhar -e falham habitualmente. No ""em si", o caso
do painel é um ilícito regimental e
constitucional, um crime que precisaria ser apurado e punido se
não fosse superado por crime
maior, que foi o da mentira.
Mas no ""para si", ou seja, nas
consequências, tirante o próprio
Senado, que saiu arranhado em
sua reputação, e a senadora Heloísa Helena, que teria o direito e
a obrigação de processar criminal
e civilmente os autores da violação, o episódio não prejudicou o
povo, embora o tenha irritado.
O caso do painel veio a calhar
na estratégia do governo para esconder os escândalos, esses sim,
que arrebentaram e continuam
arrebentando o erário nacional,
criando uma fumaça moralista
em torno de um episódio que, embora grave e condenável, é muito
menos nocivo.
Em sucessivas crônicas para a
página A-2 da Folha, fiz a pergunta clássica que todos fazem
diante de um crime: ""O que interessa?". Propositadamente, não
usei o dativo (""a quem interessa",
ou ""cui prodest" em latim). Usei o
""quid prodest" (o que interessa?),
que é impessoal e substantivo.
A resposta é óbvia: a lista dos
votos no episódio de uma votação
secreta interessava, como todas as
votações secretas ou não do Congresso, aos assessores palacianos
da Presidência da República, para abastecer o chefe deles com a
real temperatura dos congressistas.
Temos pela frente uma sucessão
presidencial, e ainda é possível
mudar, mais uma vez, a regra do
jogo, votando-se uma emenda
que instale o parlamentarismo
(que em si não é um mal) ou mesmo, se a classe política facilitar,
um terceiro mandato para o
atual presidente, mantendo-se
assim a estrutura do poder em
seus diferentes escalões.
Pessoalmente, FHC pode ter o
futuro garantido, como primeiro-ministro de um regime de gabinete, como presidente da República
pela terceira vez ou como ex-presidente com cacife bastante para
ser senador, deputado, embaixador, o que quiser.
Mas a turma do primeiro escalão, que no Planalto ocupa os gabinetes vizinhos ao seu, tem destino incerto. Alguns poderão ser isso ou aquilo na iniciativa privada, mas perderão o acesso ao poder, à formidável receita do bolo.
Outros, nem isso.
São eles que precisam conhecer,
profissionalmente, os humores do
Congresso. Para isso, uma votação secreta tem de ser aberta para
eles. Precisam saber como os congressistas estão pensando, de que
estão precisando.
Como não atuam no Senado ou
na Câmara, têm na figura do líder do governo a ponta de lança
para saber como andam as coisas.
A mecânica da violação do painel
está toda aí.
PS - Apesar de ser a favor da renúncia dos três envolvidos,
achando que só assim a falta que
cometeram (a mentira) será punida no plano pessoal e absolvida
no plano da história, não concordo com a crucificação de Zélia
Gattai, de Gal Costa, de Fittipaldi
e de todos os que, por isso ou
aquilo, se manifestam a favor ou
contra os senadores ACM e Arruda. É um direito de cada consciência se manifestar livremente.
A patrulha moral ou ideológica é
mesquinha, injusta e boçal.
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