São Paulo, sexta-feira, 11 de maio de 2007

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Cinema/estréia

"Baixio" é sobre impunidade, diz diretor

Para Cláudio Assis, trama de seu longa "Baixio das Bestas" não oferece redenção, por ser "honesta com a nossa aldeia"

Cineasta diz que presidente dos EUA é " besta-fera" e age como "garoto-propaganda" de seu filme por incentivar a cana como biocombustível


Rodrigo Paiva/Folha Imagem
A atriz Dira Paes, que interpreta uma prostituta no segundo longa-metragem de Assis


SILVANA ARANTES
DA REPORTAGEM LOCAL

"Baixio das Bestas", segundo longa do pernambucano Cláudio Assis, que estréia hoje em São Paulo, Rio de Janeiro e Recife, começa com o prenúncio de uma decomposição: "Há quem diga que o tempo vence no fim. Um dia ele engole a usina, como engole a ti e a mim".
As imagens sob o texto são de "Menino de Engenho" (1965), de Walter Lima Jr., com o qual Assis, 46, faz uma ponte temática: retoma o universo usineiro, para retratá-lo com as tintas dos anos 2000, envolto em decadência e exploração-não só nas relações de trabalho.
"Baixio das Bestas" saiu vencedor do Festival de Brasília, em 2006, sob aplausos e vaias. Também foram da atração à repulsa as reações ao longa anterior de Assis, "Amarelo Manga" (2003). O diretor diz não se incomodar com a desaprovação. "Incomodou-se? Vaie mesmo", afirma, repisando uma tese de seu filme: "No cinema pode tudo!". E provoca, na entrevista: "Pode fazer esses filmes idiotas que as pessoas fazem".
 

FOLHA - "Baixio das Bestas" é um filme sobre as mulheres ou um filme sobre como os homens as tratam?
CLÁUDIO ASSIS -
É um filme que trata da violência da sociedade contra as mulheres. No fundo, é sobre a impunidade. Não apresenta redenção, porque estamos sendo honestos com nossa aldeia. O Brasil é um país de impunidade, no Legislativo, no Judiciário, nas relações humanas.

FOLHA - Você aparece numa cena do filme tratando a garota prostituída como um eventual cliente. Não acha que isso pode ser interpretado como reforço ao comportamento repulsivo dos personagens?
ASSIS -
Por que só o ator pode dar a cara a bater, sendo um filho da puta? Eu não? O fato é que, quando uma pessoa quer massacrar outra, tudo é pretexto. [O cineasta inglês Alfred] Hitchcock fez isso a vida toda e ninguém disse que ele estava reforçando nada. Não há nada mais violento que os filmes de Tarantino, e aqui ele é "cult". Se eu demonstro uma realidade, sou tachado de ultraviolento.

FOLHA - "Baixio das Bestas" transcorre durante um ciclo de cultivo de cana. A usina deixa o lugar malcheiroso, e um personagem teme que ela elimine o maracatu. Essa é a forma de o filme se inserir na discussão sobre o Brasil e os biocombustíveis?
ASSIS -
Claro que sim. O [presidente dos EUA [George W.] Bush veio ao Brasil, mandar plantar cana. Não para amanhã, mas para daqui a 50 anos, porque vai faltar petróleo para eles. O cara está se preparando para resolver o problema deles. E todo mundo vai plantar.
A história da cana-de-açúcar se confunde com a do Brasil.
Foi nossa primeira cultura para exportação. Ela é um câncer da terra e das relações humanas.
Bush manda fazer e vamos fazer? Perpetuar mais séculos de miséria para o povo? É isso? É uma pergunta que faço. Ele está sendo garoto-propaganda do meu filme, porque é a própria encarnação da besta-fera.

FOLHA - O personagem de Matheus Nachtergaele afirma que o bom do cinema é "poder tudo". Mas a frase é dita num cinema desativado. Como deve ser interpretada?
ASSIS -
É uma metáfora. No cinema você pode fazer esses filmes idiotas que as pessoas fazem, que são um lixo, que viciam o olhar, que fazem as pessoas não pensar. Você pode. É ficção e pode ser documentário. Cada um faz o seu cinema.

FOLHA - Você diz que não há redenção em "Baixio das Bestas". A cena em que o maracatu derruba um personagem sugere que a arte, em vez de redimir, pode matar?
ASSIS -
Ali é uma alegoria. Você não sabe se ele morreu, se ele encantou. A cultura popular pode ter esse papel. É o que tem de bom dentro daquele inferno -o maracatu, que vem dos escravos. Foram os negros que fizeram o maracatu. Criaram a nação deles, com um rei, uma rainha e os caboclos de lança, que defendem o seu universo.


BAIXIO DAS BESTAS
Direção:
Cláudio Assis
Produção: Brasil, 2007
Com: Dira Paes, Caio Blat
Quando: estréia hoje nos cines Reserva Cultural, Sala UOL e circuito


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