São Paulo, sexta-feira, 11 de maio de 2007

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Crítica/regular

Universo em que mais fortes devoram mais fracos é olhado de fora por Assis

SÉRGIO RIZZO
CRÍTICO DA FOLHA

"Baixio das Bestas" confirma o que "Amarelo Manga" (2002) já havia demonstrado: no cenário de pasmaceira dominante do atual cinema brasileiro de ficção, é natural que se acompanhe de perto, e com interesse, a parceria de inconfundível personalidade entre o diretor Cláudio Assis e o roteirista Hilton Lacerda -que também colaborou em "Baile Perfumado" (1997), de Paulo Caldas e Lírio Ferreira, e "Árido Movie" (2004), de Ferreira.
Em "Amarelo Manga", ao menos duas vigas sustentavam a busca por uma abordagem de risco: o feixe de personagens atípicos, comprimidos em panela de pressão que parece o tempo todo prestes a explodir, com uma série de dramas interligados pelo fio um tanto esgarçado do acaso; e o rigoroso tratamento estético -com ênfase na fotografia de Walter Carvalho e na direção de arte de Renata Pinheiro- que procurava integrar o conjunto.
"Baixio..." reúne o mesmo núcleo de colaboradores (reforçado pelo operador de câmera Lula Carvalho e anabolizado pela filmagem em esplendoroso super 35 mm) e radicaliza as duas coordenadas: a beleza da textura e dos enquadramentos serve ao horror da sociedade de consumo em estado bruto, sem perspectivas -certa miséria existencial que leva a um desenho do mundo como uma gaiola em que os mais fortes devoram os mais fracos, mas continuam presos ali.
Cria-se, no entanto, um ruído: esse universo de barbárie não é exposto de dentro, pelas suas próprias entranhas, mas de fora, por um olhar que se apresenta como estrangeiro e, nas cenas de violência sexual contra mulheres, um tanto voyeurístico, abdicando do poder de sugestão das imagens em nome da crueza descritiva.
A opção distancia "Baixio das Bestas" de um filme admirável com o qual mantém parentesco formal e de visão de mundo: "A Humanidade" (1999), do francês Bruno Dumont -que, ao mergulhar em uma cidade no meio do nada onde vive um infanticida, potencializa o horror por abordá-lo via elipse e, longe do escândalo fácil, obtém resultado devastador.


AVALIAÇÃO: regular

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