São Paulo, terça-feira, 11 de junho de 2002

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CRÍTICA

Tempo torna valioso o seu inventário

EDER CHIODETTO
EDITOR DE FOTOGRAFIA

A incômoda sensação de que vivemos culturalmente um momento menos interessante do que o de gerações anteriores se deve, em grande parte, à incapacidade que temos de inventariar nosso próprio tempo. É preciso deixar que a ação do tempo nos mostre a história em perspectiva. É preciso algumas fotografias também.
Os retratos de Paulo Garcez, agora reunidos em livro, surpreendem por fazerem emergir, de um fôlego só, a estética e os personagens do mítico Rio de Janeiro dos anos 60 e 70.
A memória é, em grande medida, uma reinvenção do passado. A fotografia serve, de certa forma, para mediar esse grau de reinvenção ao irromper no presente com situações passadas há 40 ou 30 anos, por exemplo. O olhar matreiro de Danuza Leão, a sensualidade explícita de Maria Della Costa, a gargalhada de João Cabral de Melo Neto e o baseado de Hélio Oiticica ajudam a desconstruir a imagem dos mitos, ao mesmo tempo em que os deixam mais próximos, mais reais.
O mérito de Paulo Garcez está no fato de ele ser um repórter engajado com os movimentos culturais e seus agentes. Ao fotografar os ícones de sua geração, ele o fazia com respeito, mas sem idolatria. Muitas das fotos têm o clima de um bate-papo de boteco. A descontração dos fotografados era a forma que Garcez utilizava para focar o humano e não o ídolo.
Nos retratos realizados em estúdio, Garcez prova ter sido um bom diretor de cena. O olhar de seus personagens é sempre revelador de suas personalidades, como no ótimo retrato de Grande Otelo e no da então aspirante a atriz Sônia Braga. Do fotojornalismo Garcez herdou a capacidade de fotografar qualquer pessoa em qualquer situação de luz em qualquer lugar e, ainda assim, conseguir resultados espontâneos e belos, como o retrato de Nara Leão com sua filha Isabel ou ainda a série de fotos de uma reunião de Glauber Rocha com outros cineastas no apartamento de Walter Clark.
Ao fugir de uma estética hoje disseminada por revistas como "Caras", onde o foco é a fama e não o ser, o fotógrafo findou por construir um valioso documentário, capaz de calibrar a memória de quem viveu aquela época ou de quem, mesmo sem tê-la presenciado, queira fazer uma viagem no tempo.
A fotografia só faz aprisionar o tempo. O tempo, no entanto, segue sendo seu melhor amigo.


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