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CRÍTICA
Tempo torna valioso o seu inventário
EDER CHIODETTO
EDITOR DE FOTOGRAFIA
A incômoda sensação de
que vivemos culturalmente um momento menos interessante do que o de gerações
anteriores se deve, em grande
parte, à incapacidade que temos de inventariar nosso próprio tempo. É preciso deixar
que a ação do tempo nos mostre a história em perspectiva. É
preciso algumas fotografias
também.
Os retratos de Paulo Garcez,
agora reunidos em livro, surpreendem por fazerem emergir, de um fôlego só, a estética e
os personagens do mítico Rio
de Janeiro dos anos 60 e 70.
A memória é, em grande medida, uma reinvenção do passado. A fotografia serve, de certa forma, para mediar esse grau
de reinvenção ao irromper no
presente com situações passadas há 40 ou 30 anos, por exemplo. O olhar matreiro de Danuza Leão, a sensualidade explícita de Maria Della Costa, a gargalhada de João Cabral de Melo
Neto e o baseado de Hélio Oiticica ajudam a desconstruir a
imagem dos mitos, ao mesmo
tempo em que os deixam mais
próximos, mais reais.
O mérito de Paulo Garcez está no fato de ele ser um repórter
engajado com os movimentos
culturais e seus agentes. Ao fotografar os ícones de sua geração, ele o fazia com respeito,
mas sem idolatria. Muitas das
fotos têm o clima de um bate-papo de boteco. A descontração dos fotografados era a forma que Garcez utilizava para
focar o humano e não o ídolo.
Nos retratos realizados em
estúdio, Garcez prova ter sido
um bom diretor de cena. O
olhar de seus personagens é
sempre revelador de suas personalidades, como no ótimo
retrato de Grande Otelo e no da
então aspirante a atriz Sônia
Braga. Do fotojornalismo Garcez herdou a capacidade de fotografar qualquer pessoa em
qualquer situação de luz em
qualquer lugar e, ainda assim,
conseguir resultados espontâneos e belos, como o retrato de
Nara Leão com sua filha Isabel
ou ainda a série de fotos de
uma reunião de Glauber Rocha
com outros cineastas no apartamento de Walter Clark.
Ao fugir de uma estética hoje
disseminada por revistas como
"Caras", onde o foco é a fama e
não o ser, o fotógrafo findou
por construir um valioso documentário, capaz de calibrar a
memória de quem viveu aquela
época ou de quem, mesmo sem
tê-la presenciado, queira fazer
uma viagem no tempo.
A fotografia só faz aprisionar
o tempo. O tempo, no entanto,
segue sendo seu melhor amigo.
Avaliação:
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