São Paulo, sábado, 11 de junho de 2005

Texto Anterior | Próximo Texto | Índice

LIVROS

Conflito entre editora e agente de Manuel Bandeira atrasa publicação de coletânea em Portugal

Nau de brasileiros sai desfalcada

EDUARDO SIMÕES
DA REPORTAGEM LOCAL

Uma conflituosa negociação de cifras e prazos de aprovação de conteúdos, entre o agente literário de Manuel Bandeira no Brasil, a Solombra Books e a editora lisboeta Cotovia, atrasou em mais de um mês o cronograma de lançamento simultâneo, em Portugal, dos quatro primeiros volumes da coletânea "Curso Breve de Literatura Brasileira", composta de 16. O projeto inicial era publicar, no volume 4, poemas de Bandeira na antologia "Seria uma Rima, Não Seria uma Solução"; e seu livro de poemas "Libertinagem" deveria ter saído no volume 5, em maio.
De um lado, o diretor da Solombra, Alexandre Teixeira, diz que os direitos de "Libertinagem" ainda estavam sendo negociados quando a Cotovia passou a pressioná-lo para liberar também a publicação da antologia, que seria lançada antes. "Ninguém detona um cronograma sem ter os contratos fechados, a não ser que tenha intenção de usar os prazos como arma de pressão", diz Teixeira. Do outro, o organizador da coletânea, Abel de Barros Baptista, professor de Literatura Brasileira da Universidade de Lisboa, defende a editora ressaltando que, em dez meses de negociação, Teixeira não demonstrou estar inclinado a não dar a autorização, ao mesmo tempo em que condicionava a aprovação ao resultado final, a saber, capa e textos.
O conflito não se restringe a prazos e conteúdos, mas leva em conta as cifras, não reveladas, mas que Baptista considera "exorbitantes". Teixeira, por sua vez, lembra que os royalties seguem a lei do mercado. "Tanto Bandeira como Cecília Meireles [também agenciada pela Solombra] percebem direitos diferenciados, pois temos mais candidatos a publicar do que podemos absorver", afirma o agente, que chegou a enviar um contrato para "Libertinagem" já assinado e pensava em concordar com os valores propostos pela Cotovia até receber um e-mail da editora estipulando 18 de maio como prazo final para a liberação.
À espera de uma resolução para o impasse, a Cotovia lançou nesta semana três volumes: "Memórias Póstumas de Brás Cubas", de Machado de Assis, uma antologia com 25 de seus contos, e outra de autores do Romantismo e Simbolismo brasileiros. A editora continuará colocando os demais tomos no mercado, mês a mês, esperando completá-la em abril de 2006. A coletânea traz obras de mais de 60 autores do país, de Gonçalves Dias, o mais antigo, até novos escritores, reunidos nas antologias de poesia e conto dos volumes 13 e 15, cujos contratos ainda estão em negociação.
A seleção teve como critérios, segundo Baptista, valorizar autores que trouxeram uma contribuição original para a literatura internacional, como Machado de Assis e Clarice Lispector, e outros ainda não editados em Portugal. Para ele, do ponto de vista crítico, haverá boa recepção. "Do comercial, ainda é cedo para avaliar. Mas estou convencido de que será acima da média", estima o professor, contando com a venda de até 800 exemplares por volume, 80% da tiragem. "Livros de poesia portuguesa vendem até 200 exemplares. Cinqüenta mil é para best-sellers como José Saramago. Se chegarmos até 2.000 será ótimo."
A exemplo do "Curso Breve", um número crescente de lançamentos serve de termômetro da recuperação da presença da literatura brasileira no mercado livreiro português. De acordo com José Manuel Cortês, diretor do Instituto Português de Livros e Bibliotecas, nas décadas de 40, 50 e 60, o interesse pela produção literária do Brasil foi razoável, mas caiu nos anos seguintes. "Nos últimos tempos começou a haver um reforço e a prova disso é que há editoras apostando na publicação", avalia Cortês, citando a Dom Quixote, a Campo de Letras e a Relógio D'água como editoras com publicação sistemática de autores brasileiros em Portugal.
A Cotovia, que publica, entre outros, Raduan Nassar, Chico Buarque e Sérgio Sant'Anna, não fica de fora da lista, observa Ray-Güde Mertin, agente literária alemã que levou ao mercado europeu obras de João Ubaldo Ribeiro a Santiago Nazarian. "Há também um selo da Editora ASA do Porto, por onde já foram publicados alguns títulos e vão ser publicados no decorrer deste ano e no futuro, entre eles os colunistas da Folha Fernando Bonassi e Carlos Heitor Cony. Tenho acompanhado os altos e baixos deste intercâmbio há anos e faço figa para que agora dê certo", diz Mertin.
Neste panorama, o lançamento de "Curso Breve" é considerado uma iniciativa ambiciosa. "Nunca houve nada de semelhante em Portugal. As edições de literatura brasileira foram sempre esparsas e esporádicas. As coletâneas são raras e muito especializadas, e há décadas que não se fazem. Houve uma de contos do Brasil, publicada em 1945, e uma antologia da poesia brasileira contemporânea, de Carlos Nejar, publicada nos anos 80, defende Baptista. Cortês assina embaixo: "De fato, um conjunto de títulos que pretende ser um guia das letras brasileiras não existia e é novidade".
Enquanto isso, no Brasil, a editora com maior número de títulos de Manuel Bandeira no mercado é a Nova Fronteira, que publica o autor desde os anos 80. São nove títulos, seis deles antologias poéticas. O mais vendido é "Estrela da Vida Inteira", com cerca de 200 mil exemplares. O último lançamento foi "Testamento de Passárgada", em agosto de 2004. A editora prevê para o segundo semestre uma reedição de "Berimbau".
Para Alexandre Teixeira, o mercado nacional é muito bem suprido de Manuel Bandeira. "Além de um volume de crônicas recém-lançado pela Global e de uma antologia juvenil recém-lançada pela Moderna, temos já contratados e ora em fase de programação editorial, para início de lançamento no segundo semestre de 2005, onze títulos de autoria de Manuel Bandeira", adianta o agente.


Texto Anterior: Cinema: Novo Asterix terá Van Damme e Alain Delon
Próximo Texto: Literatura: Leopold Bloom dá novos passos em português
Índice



Copyright Empresa Folha da Manhã S/A. Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução do conteúdo desta página em qualquer meio de comunicação, eletrônico ou impresso, sem autorização escrita da Folhapress.