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Crítica/teatro/"Vestido de Noiva"
Villela potencializa Nelson Rodrigues
LUIZ FERNANDO RAMOS
CRÍTICO DA FOLHA
Uma peça revela sua
eternidade cada vez
que enseja montagens
que a iluminam de novos ângulos. A encenação de "Vestido de
Noiva" de Gabriel Villela potencializa aspectos do célebre
texto de Nelson Rodrigues
(1912-1980) que permaneciam
latentes. De fato, o encenador
resgata a audácia e o rigor de
trabalhos que o consagraram e
realiza uma leitura inventiva
permanecendo absolutamente
fiel à dramaturgia original.
A operação mais evidente de
distanciamento do cânone associado à peça diz respeito à
dissolução espacial dos três
planos que a narrativa dramática de Nelson pressupõe -o da
realidade do atropelamento da
heroína, o da alucinação que
sofre no seu coma hospitalar e
o da sua própria memória, que
permite a reconstituição dos
fatos que antecederam o acidente.
Na primeira e histórica
montagem, em 1943, a cenografia impôs uma separação estrita
entre esses planos. Na atual,
eles aparecem sintetizados em
uma matéria cênica instável,
modulada ora na sugestão de
um jazigo para essa morta,
anunciada desde a primeira cena, ora projetando o altar festivo de suas núpcias, evocadas no
título da peça.
Antony surpreende
Nesta "festa nupcial sinistra", como a define Villela, as
interpretações das atrizes e dos
atores não poderiam coadunar-se em um registro naturalista,
como se estivessem bem demarcadas em cada um dos três
planos previstos. As falas curtas e inconfundíveis de Nelson
Rodrigues estão lá, impecavelmente respeitadas.
Mas seus figurinos, e a forma
como vão pronunciando suas
linhas, embaralham-se como o
próprio espaço cênico num registro híbrido em que os gêneros -masculino e feminino- e
as instâncias de sua enunciação
-alucinação e memória, realidade e fantasia- aparecem inexoravelmente fundidos.
É interessante perceber que
as rubricas de Nelson autorizam essa leitura pela via do pastiche. Talvez o teatro de 66
anos atrás não aceitasse uma
fusão tão radical. Mas, graças a
ela, aspectos geniais do texto,
como os momentos em que o
dramaturgo brinca com a colagem de cenas alheias, citando a
ópera "Traviata" e personagens
de "...E o Vento Levou", ganham relevo sem precedentes.
A licenciosidade é também
produtiva no uso que o espetáculo faz da música. Nelson pede
a combinação das marchas fúnebre e nupcial, mas se vai muito além com a trilha de Daniel
Maia. Boleros e tangos e pontuações oportunas de frases
clássicas do cancioneiro da
MPB permitem afastar os personagens do ambiente melodramático que sempre os restringe, levados a sério, a uma
histeria patética.
Mais soltos, e menos atormentados, até eventualmente
cantando, eles arejam a alma do
autor e revelam melhor sua face irônica e corrosiva.
O melhor exemplo é o de
Marcello Antony, surpreendendo não só por cantar bem,
mas pela interpretação mais
próxima da pantomima do que
da psicologia. Leandra Leal brilha com seu instinto de irreverência, à vontade nessa carnavalização da morte. Vera Zimmermann oscila entre a impostação e a leveza, e Luciana Carnieli é o grande destaque como
Madame Clessi.
O cenário de J.C.Serroni é
preciso no que permite a mobilidade espacial e a indeterminação de planos, mas exagerado em alguns detalhes figurativos que contrariam o espírito
libertário da encenação. Esse
"Vestido de Noiva" desvela um
Nelson nosso contemporâneo.
VESTIDO DE NOIVA
Quando: hoje e amanhã, às 21h30;
sáb., às 21h; dom., às 19h; até 2/8.
Onde: Teatro Vivo (av. Chucri Zaidan, 860, Morumbi, tel.: 0/xx/11/
7420-1520; R$ 30 a R$ 70)
Classificação: 14 anos
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