Professor de Harvard escolheu trechos da peça "Cardênio" para criar novo texto

Peça estreia hoje, com montagem do grupo Folias, e tem enredo com triângulo amoroso de personagens secundários de "D. Quixote"

GABRIELA MELLÃO
COLABORAÇÃO PARA A FOLHA

O grande legado de Shakespeare para o teatro é a poética, mas também é notória sua extraordinária habilidade em gerar reviravoltas dramáticas. Numa ironia do destino, uma de suas peças, "Cardênio", sofreu o mesmo fado de seus enredos. O derradeiro capítulo desta história, por ora, pelo menos, estreia hoje, numa montagem do grupo Folias.
O texto -uma apropriação de um triângulo amoroso vivido por personagens secundários de "Dom Quixote de La Mancha", de Miguel de Cervantes- foi encenado em 1613. Desapareceu, foi reencontrado no século seguinte, armazenado na biblioteca do Covent Garden Theatre, na Inglaterra- e destruído em incêndio.
Em 2007, fragmentos de "Cardênio" foram descobertos e incluídos em uma nova versão da obra, de mesmo nome, escrita por dois norte-americanos, o professor e pesquisador de Harvard Stephen Greenblatt e o dramaturgo Charles Mee.

Projeto mundial
Eles criaram um projeto de releituras do texto, realizado por grupos locais de diversos países. O Folias foi o escolhido no Brasil. "Há uma globalização ao contrário aí, uma subversão poética que interfere na obra", diz o diretor Marco Antonio Rodrigues.
Greenblatt encorajou transformações. "Me interesso pelo que acontece com a arte quando é transposta de uma cultura para outra. Este, aliás, foi o método de criação do próprio Shakespeare", explica ele. A comédia romântica levada ao palco pelo Folias retrata um casamento na serra da Cantareira. A contragosto dos noivos, durante a festa, dois dos convidados gravam um piloto de uma minissérie baseada em "Cardênio", de Shakespeare.
Esse jogo discute limites entre realidade e ficção, público e privado. "Me atraiu refletir sobre efeitos da manipulação de meios de comunicação na sociedade", diz Rodrigues.