São Paulo, sábado, 11 de junho de 2011

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ANÁLISE LITERATURA

Jorge Semprún defendia ideais libertários

Vida de intelectual espanhol, que sofreu tortura nazista, foi marcada por ativismo progressista e estilo discreto

JUAN CRUZ
ESPECIAL PARA A FOLHA

O escritor Camilo José Cela (1916-2002) atacava Jorge Semprún -morto no último dia 7, aos 87 anos-, então ministro da Cultura no governo socialista de Felipe González, afrancesando a pronúncia do sobrenome: "Semprã" em vez de Semprún. Era uma maneira de afastar Semprún da pátria. Cela o fazia porque considerava que o "afrancesado" o havia maltratado por não lhe conceder o Prêmio Cervantes, maior da língua espanhola.
Semprún não respondia aos insultos, que costumavam ser reiterados por Cela e seus amigos em piadas referentes ao Nobel, concedido a Cela em 1989, e que lhe havia valido grande popularidade.
Eram dois caráteres muito distintos. Ambos espanhóis, claro, mas a vida, a história pessoal e o drama do século 20 haviam diluído as fronteiras de Semprún, enquanto Cela permaneceu em casa.
O exílio forçoso de seus pais levou Semprún à França, quando estourou a Guerra Civil Espanhola, e a Segunda Guerra o levou à resistência organizada contra os nazistas, em solo francês.
Antes e depois, adquiriu sólida cultura filosófica e poética, o que permitiu, segundo suas memórias e biografias, diversos encontros.
Semprún demorou 16 anos, depois de 1945, para abordar como escritor sua vida no campo de concentração de Buchenwald, onde sofreu com as torturas nazistas.
Demoraria ainda mais a relatar a experiência como clandestino na Espanha, onde era comunista opositor ao general Franco (1892-1975).
Semprún era um homem reservado, tanto que jamais se soube, em seu período de residência clandestina em Madri, quem ele fosse realmente. Nem mesmo o poeta Ángel González, em cuja casa ele viveu por muito tempo, disfarçado de jovem estudante de doutorado em Salamanca, sabia que organizava oposição ao franquismo.
Quando deixou a militância comunista, poderia ter cedido à tentação de mudar de lado. Mario Vargas Llosa comentou recentemente que ele fez sua viagem sem mudar de grupo. Continuou progressista até o final.
Semprún relatou o que lhe aconteceu à beira da piscina de Simone Signoret e Yves Montand, na França. Os atores o desafiavam a nadar na piscina. Ele resistiu tanto que precisou explicar porque a água lhe dava medo.
A tortura mais perversa que os nazistas praticaram se chamava "banheira", e a piscina o fazia recordá-la.
O compromisso dele era impedir que isso voltasse a acontecer. Portanto, eram imprescindíveis as armas da revolução francesa. Aí a razão desse europeu apaixonado, um dos principais escritores do século 20, ser afrancesado. Cela, na verdade, fazia um elogio em lugar de um insulto ao chamar Semprún de "Semprã".

JUAN CRUZ é escritor e jornalista espanhol, diretor-adjunto do "El País"

Tradução de PAULO MIGLIACCI



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