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CARLOS HEITOR CONY
A melhor coisa da vida e do mundo
Foi em Belo Horizonte, semana passada, numa palestra que
fiz a convite de Afonso Borges,
que mantém um programa
chamado ""Sempre um Papo",
que já levou gente mais importante para lá, inclusive o Saramago. Independentemente do
convidado, o auditório fica
cheio de gente interessada, jovens e velhos. Mais jovens do
que velhos -estes estão cansados da vida e não querem papo.
Tive duas surpresas. A primeira, ao final da conversa,
quando um homem de seus 60
anos se aproximou, tirou de
sua pasta uma crônica que escrevi na Folhaem 1995. Era
sobre Mila -a mais que amada, a quem dediquei um livro
escrito após 23 anos de jejum literário.
Nem perguntei por que guardara aquele recorte. Olhei-o
sem saber o que ele pretendia
ao me mostrar aquilo. Olhava-me esquisito, em silêncio. Simplesmente me mostrava aquela
crônica, tirasse eu as conclusões ou nada tirasse daquele
gesto.
Ficamos algum tempo assim,
olhando um para o outro. Como havia mais pessoas em volta, voltou a guardar a crônica
numa pasta, olhou-me uma
vez mais e foi embora. Tive a
impressão de que desejara apenas me dar um recado -ou
uma resposta: ele também tivera a sua Mila e compreendera
tudo. Sendo assim, eu também
o compreendi.
A outra surpresa foi diferente. Enquanto a primeira foi secreta, entre dois homens feridos no amor por uma amiga
que nos deixara, a segunda foi
pública e divertida. A moça lá
do fundo quis saber as cinco
coisas que mais me davam prazer. Fez antes um preâmbulo,
classificando-me de rabugento,
pessimista etc. Apesar disso,
declarou-me em forma -eu estava resfriado e minha voz engrossara. Pois ela elogiou minha voz, daí não entendia meu
ressentimento contra a vida e
contra o mundo.
Perguntei se desejava ouvir
uma resposta sincera. E, como
era isso mesmo o que esperava
de mim, respondi pela ordem.
Disse que a primeiríssima coisa
que me dava prazer era aquilo
mesmo que todos -inclusive
ela- estavam pensando.
A segunda, bem, a segunda ficava a léguas dessa primeira,
tão distante que nem podia ser
classificada como um prazer. E
estava de tal modo amontoada
com outras, que seria difícil e
inútil citá-las por ordem de importância. Nesse pacote, incluiria mais de quatro coisas, mas
sem predominância de uma sobre as demais.
Ler, ouvir música, fumar um
bom charuto no final da noite,
viajar para os mesmos lugares
de que gosto, procurar os amigos quando deles sinto falta
-enfim, coisas banais que,
umas pelas outras, dão prazer
a todo mundo.
O importante era, como procurei deixar bem claro, a primeira. O auditório, em sendo
respeitável, impediu-me que eu
contasse uma história que muito me impressionou e que tem
tudo a ver com o assunto.
Nos primeiros anos do curso
de jornalismo da PUC aqui no
Rio, formou-se um grupo de
trabalho para fazer uma pesquisa de campo que fosse inédita, jamais feita por nenhum
pesquisador acadêmico ou profissional. Reuniram-se cinco
moças, bem nascidas, daquilo
que se podia chamar de alta
burguesia dos anos 50, papais
ricos e famosos, mães que ganhavam medalhas por serem
boas mães etc.
As moças recusaram qualquer investigação em torno dos
mesmos personagens de sempre. Decidiram partir em caravana até uma cidadezinha perdida no mapa do Brasil, onde
nunca pisara um jornalista,
um funcionário da FGV ou dos
institutos de opinião pública.
Foram dar com os costados
num lugar cujo nome não aparecia em mapa algum e que
não era classificado em nenhum Estado, município, vila
ou aldeia. Era apenas um conjunto de casas desalinhadas à
beira de um caminho que não
levava a lugar algum.
Nesta solidão física e quase
metafísica, as moças encontraram um velho, muito velho
mesmo, cabelos brancos, barba
branquíssima, sentado à beira
da casa mais escondida e anônima do lugar mais escondido
e anônimo do universo.
Uma das moças fez um breve
discurso se apresentando e
apresentando o grupo, falou no
trabalho que estavam fazendo,
queriam consultá-lo como um
oráculo, um ser humano que
nunca declarara nada a ninguém e, por isso mesmo, deveria guardar o segredo da verdadeira sabedoria.
O velho olhou as moças sem
surpresa. E, como não disse nada, elas se julgaram entendidas. Fizeram então a pergunta
fundamental que as trouxera
ali: ""Qual seria a melhor coisa
da vida?". Com a experiência
dos anos, com a solidão das distâncias, ele deveria armazenar
uma sabedoria transcendental,
pedra angular de todas as demais sabedorias.
Custou a responder. Não porque tivesse alguma dúvida sobre a resposta, mas porque tinha preguiça de pensar e muito
mais de falar. Após um silêncio
que as moças consideraram
científico, canetas em riste para captar a verdade que ali brotaria, o velho finalmente respondeu: ""Moça, a melhor coisa
da vida é mesmo fornicar".
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