São Paulo, quinta-feira, 11 de julho de 2002

Texto Anterior | Próximo Texto | Índice

"WALTERCIO CALDAS"

A passagem do tempo como um fenômeno concreto

TIAGO MESQUITA
CRÍTICO DA FOLHA

Os livros sempre tiveram papel característico na obra de Waltercio Caldas. Longe de atuar como um elemento marginal, acessório ou instituir um lugar onde o artista poderia ensaiar a realização de outros trabalhos, esses objetos foram enfrentados como questão.
Os livros atuam no espaço e ressignificam as relações do espectador com o objeto e dele com o seu entorno. Na sala de exposição, os trabalhos com livros de Caldas demonstram o mesmo estatuto de suas esculturas, seus desenhos e suas instalações.
Nesta retrospectiva na Pinacoteca do Estado é possível conferir a extensão e variedade que o uso deste objeto obteve na obra do artista carioca. Para falar de meios, podemos ver os livros como suportes para espaços mais esculturais e trabalhos de feição mais conceitual. Livros que parecem falar curiosamente do que se passa em sua superfície e outros que tratam da relação de uso que o espectador estabelece com ele.
Portanto, mesmo que existam alguns volumes nesta exibição que acabem reunindo obras de outro tipo, como uma maneira de sequenciar séries de trabalhos de outras linguagens (como a foto e o desenho), de modo geral eles atuam como peças de arte.
E realizam essas operações guardados em caixas de acrílico que os isolam de outras atividades da sala de exposição. Isolados, alguns objetos parecem se tornar reflexivos, como se a distância do espaço onde ele tem algum uso enfatizasse algumas de suas propriedades físicas e culturais.
Waltercio parece se interessar, sobretudo, pelo caráter reprodutível e analógico destes objetos. Entre eles o valor literário não parece ter primazia -eles aparecem dentro daquela caixa como um recipiente de sinais gráficos impessoais que repõem sempre os mesmos sentidos.
O artista olha com estranhamento a missão de clarividência desses objetos gráficos. Tenta enfatizar o que há de insólito na transposição simbólica de fenômenos distantes, que a princípio não lhe dizem respeito.
Em alguns trabalhos o artista faz desses vestígios uma obra outra. Parece fazer coro com o Borges de "Ficciones", que "não busca nem a verdade, nem a verossimilhança, mas busca o assombro".
Em certo aspecto, as cúpulas de acrílico na pinacoteca garantem que esses livros sugiram as suas formas de maneira mais fixa.
Por vezes , como em "Figura Figura", o uso de palavras impressas em contato com uma palpável linha de lã parece nos dar a dimensão da possibilidade de criar experiências fortes mesmo em meio a um universo de mensagens que chegam aos nossos olhos se desfazendo.
Aliás, desse ritmo efêmero tal trabalho tira sua força. Quando essas intervenções se valem dos vestígios de uma presença, de modo a fixar um comentário sobre a história da arte, o seu sentido é prejudicado. Parece ter mais graça quando essas imagens que dão sumiço à nossa experiência anterior também se desfazem diante de nós. Mas, desgarradas, elas se oferecem para uma brincadeira que lhes dá presença. Nessas fissuras, Waltercio Caldas torna possível, em meio a uma série de sensações impalpáveis, que sintamos a passagem do tempo como um fenômeno concreto.


Waltercio Caldas    
Onde: Pinacoteca do Estado (pça. da Luz, 2, Bom Retiro, São Paulo, tel. 0/xx/ 11/229-9844)
Quando: de ter. a dom., das 10h às 17h30; até 4/8
Quanto: entrada franca




Texto Anterior: Mônica Bergamo
Próximo Texto: Dança: Resistência da AL ganha palcos de Lyon
Índice


Copyright Empresa Folha da Manhã S/A. Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução do conteúdo desta página em qualquer meio de comunicação, eletrônico ou impresso, sem autorização escrita da Folhapress.