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São Paulo, sexta-feira, 11 de julho de 2003

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ERIKA PALOMINO

Rodrigo Marques
A modelo Cassiane Bohn, novo rosto moderno do circuito


O FUNK, O SEXO E A DEMOCRACIA DAS AREIAS

O trabalho de Bia Lessa foi a sensação do terceiro dia do Fashion Rio. Ao misturar moda e teatro, a diretora trouxe charme ao desfile da Blue Man, na noite de quarta. Estava tudo meio entorpecido. E Bia acordou os sentidos do público. A moda praia vive essa questão de ter que se reinventar. E, numa temporada em que o tal "cofrinho" virou objeto de desejo, a repetição dos modelos cria armadilhas. Bia abriu com atrizes rasgando a roupa, fez as modelos rodopiarem com areia de purpurina nas mãos e acelerou batimentos cardíacos com um grupo de dançarinos de funk. Garotos negros de sunga branca, popozudas de biquíni. Se os fashionistas não sabiam o que pensar, o público entendeu: foi tudo.
 

Folha - Como é a relação do teatro com a passarela?
Bia Lessa -
Na verdade, o raciocínio é o mesmo. Mas aqui a sensação foi de uma ópera, e isso deixa o trabalho bem interessante: falar dois minutos com um grupo, depois conversar com outro grupo. Diversas pessoas de lugares diferentes, esse contato é muito bacana. Coloquei pontos nas atrizes que desfilaram para brincarmos mais na hora.

Folha - Como foi a brincadeira com o funk carioca no desfile?
Lessa -
O estilista David Azulay faz moda para todo mundo, não existe uma linha condutora. Nós temos que valorizar cada pessoa e exercitar o convívio com grupos diferentes, misturar o público. Na primeira vez em que fui a um baile funk fiquei louca. Eles têm só uma vitrolinha e botam 10 mil pessoas para dançar. É de verdade. É superpopular, mas também é sofisticado: fazer 10 mil pessoas dançarem não é para qualquer um.

Folha - Como foi o processo criativo do desfile?
Lessa -
Essa foi a primeira vez em que dirigi um desfile, e isso aconteceu porque me identifiquei com a coleção. Quis mostrar como é gostoso ficar sem roupa, de biquíni, à vontade. A única forma de mostrar isso era colocando mulheres vestidas na passarela. Vestir e depois arrebentar a roupa para passar essa sensação gostosa de vestir biquíni. Trabalhei com contrastes.

TEM ROSTO MODERNO NA PRAÇA
Depois de fazer 17 desfiles da São Paulo Fashion Week, todo mundo está prestando atenção no rosto moderno e internacional de Cassiane Bohn, 18, da agência Skin. Anteontem ela abriu seu primeiro desfile, o da Andrea Saletto. Pele muito branca, lembra a belga Hanelore, mas com um olhar mais doce, quase romântico. Modelo há um ano, Cassiane nasceu em Feliz (RS) e começou por incentivo dos amigos. Olhava modelos como Gisele e achava que jamais chegaria lá. No começo do ano passou uma temporada em Nova York, onde fotografou para a "Vogue" América e Itália, seus "trabalhos mais importantes até agora". Cassiane é simpática, sorridente e bem resolvida. E conseguiu terminar o colegial. Quer ser modelo "por muito tempo" e gostaria de fazer algum trabalho voluntário: "Queria ir para algum lugar da África bem pobre e ajudar, trabalhar na ONU". Nas horas vagas ela ouve música eletrônica e hip hop. Não usa make durante o dia, come bem e toma muita água. Cassiane é uma linda.

COMPLEXO B DÁ NOTAS PARA MODELOS
Complexo B é uma querida grife no Rio. Agrada, com desfiles simples, mas simpáticos. A grife trouxe na quarta uma brincadeira sob o tema "Mister Brasil", um concurso do homem mais bonito do Brasil. Os convidados recebem uma placa com a inscrição "NOTA 10", alusão aos concursos de beleza. E a brincadeira dá o tom. Ao final, Pedro Aguinaga, o eterno homem mais bonito do Brasil, entra e é aplaudido. Ele é tudo. É um verão com boas estampas, como as de figa, pirarucu e Grande Otelo. Vão ser hit.

TRIBALISMO VIRA MODA
Marisa Monte vai virar moda na temporada internacional do prêt-à-porter. O estilista Narciso Rodriguez está fascinado pela cantora, que já é a inspiração de sua próxima coleção, de verão 2004. O designer está aqui no Rio e pediu um jantar de apresentação ao amigo em comum Giovanni Bianco. O encontro rolou na noite de terça, na pizzaria Capricciosa. Rodriguez vai se inspirar no gestual e no jeito da cantora. Todos os assistentes dele já têm o DVD no computador e decoraram os Tribalistas.

O FASHION RIO É UMA FESTA
Com o atraso relativamente sob controle (a Blue Man começou 45 minutos depois), o Fashion Rio tem cara de festa. Com a entrada liberada, o programa é mesmo ir ao evento e ficar por ali. Com tanta gente circulando, muitas vezes rola uma bela confusão de lugares. E o povo que não tem nada a ver vai ocupando os lugares de quem está trabalhando e até os da primeira fila. O que também aconteceu na São Paulo Fashion Week. Incrível o desprendimento das pessoas. É verdade que em Paris todo mundo pega o lugar de todo mundo. Mas não os das duas primeiras filas, onde se sabe que estão as pessoas importantes. É um dos problemas de uma cultura de moda incipiente. Aos poucos, vai melhorando. Ao menos está se falando de moda.

ALTA-COSTURA DE MAYRINK VEIGA
Abriu aqui na semana passada uma mostra deliciosa, bem a cara de um programa paralelo ao Fashion Rio. É a exposição dos vestidos de alta-costura de Carmen Mayrink Veiga, na Casa de Arte e Cultura Julieta de Serpa, Praia do Flamengo, 340. São 67 roupas, em 12 salas decoradas por ela mesma, cada uma com um nome e uma trilha sonora especial. Embaixo de cada peça vem um comentário da absurda Carmen, como o lugar em que foi usado ou uma observação própria. Os incríveis retratos feitos com seu rosto também tomam lugar na linda casa, e o de Portinari merece atenção, entre candelabros.
A maioria das roupas é de Givenchy e Saint Laurent, incluindo um terninho risca-de-giz da famosa coleção de 1970 do estilista, que fica numa parte em que é possível manusear as peças com luvinhas brancas. O mais antigo é de 1960, e está muito bem conservado. Sobre um mantô de lã vermelha de Givenchy, ela comenta: "Creio que jamais usei no Rio". De outro: "É superdesconfortável e pesado". Mas que causou grande impacto a cada aparição.
A passagem pelo Oriente de Carmen -e de Saint Laurent- merece sala própria, e vem de lá um dos vestidos mais bonitos, estampado e bordado, de 1987. De um vestido de Grès, ela fala: "Anda sozinho pelo mundo". A mostra traz também os croquis dos estilistas e as amostras de tecido, e muitos revelam preços e a negociação dos valores. A parte mais linda é a que tem um Cardin de renda, preto, na sala Le Bleu Royal. A parte de baixo da casa traz fotos, álbuns e as memórias de uma vida glamourosa e intensa, cheia de festas e viagens. O adorável programa se completa no salão de chá ou no restaurante dos fundos da casa, e é possível pensar em tempos que não voltam mais. Na moda e no mundo.

palomino@uol.com.br

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