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ARTES PLÁSTICAS/CRÍTICA
Bienal italiana, aberta há um mês, reflete a dificuldade recente de se prender a categorias
Veneza reforça hibridismo da produção atual
FABIO CYPRIANO
ENVIADO ESPECIAL A VENEZA
Com mais de 50 bienais espalhadas pelo mundo, Veneza, a primeira e mais tradicional delas,
criada há exatos 110 anos, é a que
alcança maior repercussão e abre
novas possibilidades nas artes
plásticas. Entretanto, em sua mais
recente edição, inaugurada há um
mês, a mostra apenas reflete uma
das mais fortes tendências da produção atual: o hibridismo.
Única bienal do mundo a manter as chamadas representações
nacionais -São Paulo acaba de
romper com sua matriz-, Veneza ainda segue concedendo prêmios ao melhor pavilhão, o que
no caso paulistano já havia sido
extinto em 1979.
Nesse contexto, a idéia de apresentar obras que representem
países é algo decididamente descabido. Dado o caráter sem fronteiras que a arte assumiu, o que ficou mais claro nesta 51ª edição é
que os pavilhões são um espaço
de visibilidade desproporcional
entre países, especialmente do
ponto de vista econômico. É impossível competir com França,
EUA e Alemanha, por exemplo,
que gastam fortunas -no caso
francês, com Annette Messager,
que ganhou o Leão de Ouro de
melhor pavilhão, foram mais de
2 milhões (R$ 5,7 milhões). É
improvável que o Brasil tenha gasto 5% disso. Conclusão: tal modelo precisa ser revisto em Veneza.
Já no caso das curadorias especiais da mostra, a cargo das espanholas María de Corral e Rosa
Martinez, há uma significativa diferença em relação às bienais anteriores: o enxugamento do número de artistas -42 na mostra
de Corral, 49 na de Martínez.
Com isso, as mostras ganham
uma dimensão humana, possibilitando uma melhor percepção do
espectador, até então bombardeado por mais do que o dobro do número de artistas nas bienais anteriores. Como conseqüência, Veneza torna-se menos espetacular,
com algumas exceções, como
"Wave UFO", de Mariko Mori.
Em ambas as mostras, a dificuldade atual em criar categorias, o
que é provocado pelo hibridismo,
está ressaltada. O cinema, influência mais forte, está presente em
obras de artistas como o italiano
Francesco Vezzoli, com um trailer
falso de "Calígula", ou o argentino
Leandro Erlich, com "La Vista",
uma paródia de "Janela Indiscreta", de Hitchcock, ou ainda com a
sul-africana Candice Breitz, que se
apropria de cenas com artistas famosos, como Julia Roberts, Dustin Hoffman ou Meryl Streep, retirando-os do contexto dos filmes e
realçando discursos que discutem
questões de gênero.
Todas essas obras estão em "A
Experiência da Arte", organizada
por Corral, voltada ao que se pode
chamar de o atual estado da arte.
Organizada de forma a não ter riscos, a maior parte dos artistas já é
referência importante, como
Francis Bacon, Rachel Whiteread
ou Willian Kentridge, todos presentes com obras conhecidas, o
que enfraquece a mostra.
Já o argentino Jorge Macchi,
com trabalho novo, acertou ao arriscar. Sua instalação, uma sala
com um globo de espelhos, cujos
reflexos são buracos na parede, revela o artista como um dos contemporâneos com maior vigor.
Na exposição de Martínez,
"Sempre um Pouco à Frente", o
início é enfadonho, pois parte de
um discurso feminista passadista,
com obras como o lustre de absorventes de Joana Vasconcelos ou os
pôsteres das Guerrilla Girls, para
enfatizar que pela primeira vez
mulheres estão à frente em Veneza. Faria sentido há 30 anos.
Apesar desse começo militante,
a mostra segue por caminhos que
discutem ordem e caos na produção atual e, provavelmente aí, "+
and -", da palestina Mona Hatoum, é o trabalho mais simbólico
dessa questão. Um rastelo que ao
mesmo tempo que constrói, destrói, aponta que a arte contemporânea não busca gerar certezas,
mas provocar dúvidas.
Outro exemplo na mesma direção é "Your Activity Horizon", do
dinamarquês Olafur Eliasson.
Uma sala escura, com apenas um
fio de luz percorrendo o espaço,
confunde a vista do observador,
que chega com o olhar acostumado à luz solar e transforma o local
num campo mágico. A arte mostra seu poder em construir novos
horizontes. Pena que não tenha
acontecido com mais trabalhos.
Avaliação:
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