São Paulo, segunda-feira, 11 de julho de 2005

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ARTES PLÁSTICAS/CRÍTICA

Bienal italiana, aberta há um mês, reflete a dificuldade recente de se prender a categorias

Veneza reforça hibridismo da produção atual

FABIO CYPRIANO
ENVIADO ESPECIAL A VENEZA

Com mais de 50 bienais espalhadas pelo mundo, Veneza, a primeira e mais tradicional delas, criada há exatos 110 anos, é a que alcança maior repercussão e abre novas possibilidades nas artes plásticas. Entretanto, em sua mais recente edição, inaugurada há um mês, a mostra apenas reflete uma das mais fortes tendências da produção atual: o hibridismo.
Única bienal do mundo a manter as chamadas representações nacionais -São Paulo acaba de romper com sua matriz-, Veneza ainda segue concedendo prêmios ao melhor pavilhão, o que no caso paulistano já havia sido extinto em 1979.
Nesse contexto, a idéia de apresentar obras que representem países é algo decididamente descabido. Dado o caráter sem fronteiras que a arte assumiu, o que ficou mais claro nesta 51ª edição é que os pavilhões são um espaço de visibilidade desproporcional entre países, especialmente do ponto de vista econômico. É impossível competir com França, EUA e Alemanha, por exemplo, que gastam fortunas -no caso francês, com Annette Messager, que ganhou o Leão de Ouro de melhor pavilhão, foram mais de 2 milhões (R$ 5,7 milhões). É improvável que o Brasil tenha gasto 5% disso. Conclusão: tal modelo precisa ser revisto em Veneza.
Já no caso das curadorias especiais da mostra, a cargo das espanholas María de Corral e Rosa Martinez, há uma significativa diferença em relação às bienais anteriores: o enxugamento do número de artistas -42 na mostra de Corral, 49 na de Martínez.
Com isso, as mostras ganham uma dimensão humana, possibilitando uma melhor percepção do espectador, até então bombardeado por mais do que o dobro do número de artistas nas bienais anteriores. Como conseqüência, Veneza torna-se menos espetacular, com algumas exceções, como "Wave UFO", de Mariko Mori.
Em ambas as mostras, a dificuldade atual em criar categorias, o que é provocado pelo hibridismo, está ressaltada. O cinema, influência mais forte, está presente em obras de artistas como o italiano Francesco Vezzoli, com um trailer falso de "Calígula", ou o argentino Leandro Erlich, com "La Vista", uma paródia de "Janela Indiscreta", de Hitchcock, ou ainda com a sul-africana Candice Breitz, que se apropria de cenas com artistas famosos, como Julia Roberts, Dustin Hoffman ou Meryl Streep, retirando-os do contexto dos filmes e realçando discursos que discutem questões de gênero.
Todas essas obras estão em "A Experiência da Arte", organizada por Corral, voltada ao que se pode chamar de o atual estado da arte. Organizada de forma a não ter riscos, a maior parte dos artistas já é referência importante, como Francis Bacon, Rachel Whiteread ou Willian Kentridge, todos presentes com obras conhecidas, o que enfraquece a mostra.
Já o argentino Jorge Macchi, com trabalho novo, acertou ao arriscar. Sua instalação, uma sala com um globo de espelhos, cujos reflexos são buracos na parede, revela o artista como um dos contemporâneos com maior vigor.
Na exposição de Martínez, "Sempre um Pouco à Frente", o início é enfadonho, pois parte de um discurso feminista passadista, com obras como o lustre de absorventes de Joana Vasconcelos ou os pôsteres das Guerrilla Girls, para enfatizar que pela primeira vez mulheres estão à frente em Veneza. Faria sentido há 30 anos.
Apesar desse começo militante, a mostra segue por caminhos que discutem ordem e caos na produção atual e, provavelmente aí, "+ and -", da palestina Mona Hatoum, é o trabalho mais simbólico dessa questão. Um rastelo que ao mesmo tempo que constrói, destrói, aponta que a arte contemporânea não busca gerar certezas, mas provocar dúvidas.
Outro exemplo na mesma direção é "Your Activity Horizon", do dinamarquês Olafur Eliasson. Uma sala escura, com apenas um fio de luz percorrendo o espaço, confunde a vista do observador, que chega com o olhar acostumado à luz solar e transforma o local num campo mágico. A arte mostra seu poder em construir novos horizontes. Pena que não tenha acontecido com mais trabalhos.


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