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NELSON ASCHER
As causas profundas do terrorismo
1 ) Terroristas sempre têm razões para perpetrarem atentados. Como na fábula do lobo e do
cordeiro, a intenção vem antes, as
desculpas, depois. Não vale a pena, assim, levá-las a sério. Suas
ações estão ligadas não à motivação, mas à capacidade. Quando
Israel eliminou a liderança do
Hamas, seus membros, embora
prometessem retaliações apocalípticas, não conseguiram realizá-las, pois o movimento fora debilitado e seus remanescentes estavam em fuga ou escondidos.
2) Londres teria sido atacada de
qualquer jeito, se não "por causa"
do Iraque, então devido ao Afeganistão (uma operação de "limpeza" que o 11 de Setembro de 2001
tornara inevitável e cuja verdadeira causa subjacente foi a invasão soviética), à independência
do Timor Leste (um dos motivos
dados pela Al Qaeda para assassinar Sérgio Vieira de Mello), às
disputas no Oriente Médio, África
ou Caxemira, à abolição, nos
anos 20, do Califado, à reconquista final, em 1492, da Andaluzia
ou mesmo às Cruzadas.
3) O que os apologistas ocidentais do terror fazem é selecionar,
nesse repertório inacabável de
queixas, aquelas capazes de obter
eco junto à opinião pública de
seus países. Algumas visitas a sites
que apóiam os "militantes" são
suficientes, porém, para se constatar que há queixas demais, que
seu conjunto jamais poderá ser
satisfeito e que, se depender de
contentar os terroristas, os atentados continuarão para sempre.
Sua ideologia é, a rigor, uma máquina de criar reclamações e rancores. Os mais arraigados, relacionando-se a questões de honra e
humilhação, são subjetivos, e buscar discuti-los racionalmente ou
resolvê-los equivale a entregar a
chave do hospício aos malucos.
4) O que, após a derrocada soviética, sobrou do esquerdismo
clássico nada mais tem a ver com
a construção de utopias mentirosas. Agora ele é sinônimo de revanchismo, do desejo de ver destruídos os sistemas, países e idéias
que derrotaram suas fantasias.
Como o proletariado o traiu, sua
nova classe revolucionária é uma
espécie de lumpemproletariado
transnacional cujos objetivos centrais são avessos a tudo o que os
esquerdistas pregavam, mas cuja
demografia e vigor são a única
promessa que lhes resta de que alguém ainda demolirá essa odiada
ordem internacional. No momento, seu slogan é: "quanto pior, melhor".
5) Os liberais têm fé no Estado,
ao qual cabe decidir acerca da
educação e da saúde, dos transportes e da cultura. Todos os poderes ao Estado! Salvo num caso:
a segurança. Quando se trata de
assegurar a vida dos cidadãos, o
Estado detém o monopólio da
violência legítima desde, é claro,
que nunca recorra a ela. Por um
lado, os cidadãos individuais não
devem tomar a justiça nas próprias mãos; por outro, os fundamentalistas dos direitos humanos
garantirão não que os inocentes
sejam protegidos da violência de
criminosos e terroristas -eles
não dispõem de meios para tanto,
nem lhes interessa fazê-lo-, mas,
sim, que os culpados escapem à
punição real.
6) Foram os exércitos ocidentais
que (antes tarde) salvaram bosníacos, kossovares e iraquianos
da crueldade de Milosevic e Saddam. Aos defensores dos direitos
humanos resta agora apenas salvar a cabeça de ambos os tiranos.
Os europeus e o governo Clinton
nada fizeram para interromper,
em 1994, o genocídio dos tutsis pelos hutus em Ruanda, mas deram, em seguida, refúgio aos assassinos, enquanto a ONU, ONGs
e demais instituições internacionais alimentavam e sustentavam
os responsáveis que haviam fugido para o Congo.
7) A principal função do Estado
é utilizar a violência legítima para proteger os cidadãos da violência ilegítima e punir seus perpetradores. Ocorre que a proteção
dos cidadãos nas democracias
vem sendo confiscada por uma
elite ultra-liberal e ingenuamente
bem-intencionada que está menos interessada em reprimir ou
capturar malfeitores do que em
entender as "causas" que levam
seres humanos essencialmente
bons a fazerem coisas ruins. Como essa elite não crê no livre-arbítrio e na responsabilidade pessoal, ela costuma concluir que foi
o resto do corpo social, ou seja, as
vítimas, que acarretou o comportamento equivocado. Pobreza,
desigualdade econômica, traumas de infância, tal ou qual fato
histórico: tudo é "causa" e tudo
inocenta o criminoso, que nunca
é um ser humano de verdade, somente um autômato programado
por forças diante das quais não
tem opção. Em suma, o criminoso
nunca é ele mesmo, apenas um
sintoma dos crimes mais graves,
profundos, antigos cometidos por
suas vítimas.
8) Em termos gerais, as sociedades democráticas ocidentais carregam um pecado original: se são
mais afluentes, bem-sucedidas, livres, seguras etc., isso só pode se
dever a terem oprimido e saqueado as outras -sociedades puras
que nunca fizeram mal a ninguém. Riqueza e sucesso, os piores
crimes, merecem castigo. Quem
ataca os cidadãos das democracias ocidentais não é, portanto,
um criminoso ou terrorista, mas
um justiceiro e uma vítima gerada pelo sucesso alheio. Ele não é
responsável por seu próprio fracasso ou pelo de sua cultura e civilização. O fracasso individual ou
civilizacional constitui, aliás, a
prova máxima da inocência.
9) Não há nada mais rentável
do que bajular fracassados assegurando-lhes que seus problemas
foram ocasionados pelos bem-sucedidos. A direita nazi-fascista e a
esquerda contemporânea se encontram na paranóia da vitimização. Civilizações e culturas fracassadas, mesmo ou sobretudo
quando devem a si seu insucesso,
reconfortam-se culpando os outros. Daí à vingança há um passo
mínimo. Se todos não podem ganhar, pelo menos todos podem
perder.
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