São Paulo, segunda-feira, 11 de julho de 2005

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NELSON ASCHER

As causas profundas do terrorismo

1 ) Terroristas sempre têm razões para perpetrarem atentados. Como na fábula do lobo e do cordeiro, a intenção vem antes, as desculpas, depois. Não vale a pena, assim, levá-las a sério. Suas ações estão ligadas não à motivação, mas à capacidade. Quando Israel eliminou a liderança do Hamas, seus membros, embora prometessem retaliações apocalípticas, não conseguiram realizá-las, pois o movimento fora debilitado e seus remanescentes estavam em fuga ou escondidos.
2) Londres teria sido atacada de qualquer jeito, se não "por causa" do Iraque, então devido ao Afeganistão (uma operação de "limpeza" que o 11 de Setembro de 2001 tornara inevitável e cuja verdadeira causa subjacente foi a invasão soviética), à independência do Timor Leste (um dos motivos dados pela Al Qaeda para assassinar Sérgio Vieira de Mello), às disputas no Oriente Médio, África ou Caxemira, à abolição, nos anos 20, do Califado, à reconquista final, em 1492, da Andaluzia ou mesmo às Cruzadas.
3) O que os apologistas ocidentais do terror fazem é selecionar, nesse repertório inacabável de queixas, aquelas capazes de obter eco junto à opinião pública de seus países. Algumas visitas a sites que apóiam os "militantes" são suficientes, porém, para se constatar que há queixas demais, que seu conjunto jamais poderá ser satisfeito e que, se depender de contentar os terroristas, os atentados continuarão para sempre. Sua ideologia é, a rigor, uma máquina de criar reclamações e rancores. Os mais arraigados, relacionando-se a questões de honra e humilhação, são subjetivos, e buscar discuti-los racionalmente ou resolvê-los equivale a entregar a chave do hospício aos malucos.
4) O que, após a derrocada soviética, sobrou do esquerdismo clássico nada mais tem a ver com a construção de utopias mentirosas. Agora ele é sinônimo de revanchismo, do desejo de ver destruídos os sistemas, países e idéias que derrotaram suas fantasias. Como o proletariado o traiu, sua nova classe revolucionária é uma espécie de lumpemproletariado transnacional cujos objetivos centrais são avessos a tudo o que os esquerdistas pregavam, mas cuja demografia e vigor são a única promessa que lhes resta de que alguém ainda demolirá essa odiada ordem internacional. No momento, seu slogan é: "quanto pior, melhor".
5) Os liberais têm fé no Estado, ao qual cabe decidir acerca da educação e da saúde, dos transportes e da cultura. Todos os poderes ao Estado! Salvo num caso: a segurança. Quando se trata de assegurar a vida dos cidadãos, o Estado detém o monopólio da violência legítima desde, é claro, que nunca recorra a ela. Por um lado, os cidadãos individuais não devem tomar a justiça nas próprias mãos; por outro, os fundamentalistas dos direitos humanos garantirão não que os inocentes sejam protegidos da violência de criminosos e terroristas -eles não dispõem de meios para tanto, nem lhes interessa fazê-lo-, mas, sim, que os culpados escapem à punição real.
6) Foram os exércitos ocidentais que (antes tarde) salvaram bosníacos, kossovares e iraquianos da crueldade de Milosevic e Saddam. Aos defensores dos direitos humanos resta agora apenas salvar a cabeça de ambos os tiranos. Os europeus e o governo Clinton nada fizeram para interromper, em 1994, o genocídio dos tutsis pelos hutus em Ruanda, mas deram, em seguida, refúgio aos assassinos, enquanto a ONU, ONGs e demais instituições internacionais alimentavam e sustentavam os responsáveis que haviam fugido para o Congo.
7) A principal função do Estado é utilizar a violência legítima para proteger os cidadãos da violência ilegítima e punir seus perpetradores. Ocorre que a proteção dos cidadãos nas democracias vem sendo confiscada por uma elite ultra-liberal e ingenuamente bem-intencionada que está menos interessada em reprimir ou capturar malfeitores do que em entender as "causas" que levam seres humanos essencialmente bons a fazerem coisas ruins. Como essa elite não crê no livre-arbítrio e na responsabilidade pessoal, ela costuma concluir que foi o resto do corpo social, ou seja, as vítimas, que acarretou o comportamento equivocado. Pobreza, desigualdade econômica, traumas de infância, tal ou qual fato histórico: tudo é "causa" e tudo inocenta o criminoso, que nunca é um ser humano de verdade, somente um autômato programado por forças diante das quais não tem opção. Em suma, o criminoso nunca é ele mesmo, apenas um sintoma dos crimes mais graves, profundos, antigos cometidos por suas vítimas.
8) Em termos gerais, as sociedades democráticas ocidentais carregam um pecado original: se são mais afluentes, bem-sucedidas, livres, seguras etc., isso só pode se dever a terem oprimido e saqueado as outras -sociedades puras que nunca fizeram mal a ninguém. Riqueza e sucesso, os piores crimes, merecem castigo. Quem ataca os cidadãos das democracias ocidentais não é, portanto, um criminoso ou terrorista, mas um justiceiro e uma vítima gerada pelo sucesso alheio. Ele não é responsável por seu próprio fracasso ou pelo de sua cultura e civilização. O fracasso individual ou civilizacional constitui, aliás, a prova máxima da inocência.
9) Não há nada mais rentável do que bajular fracassados assegurando-lhes que seus problemas foram ocasionados pelos bem-sucedidos. A direita nazi-fascista e a esquerda contemporânea se encontram na paranóia da vitimização. Civilizações e culturas fracassadas, mesmo ou sobretudo quando devem a si seu insucesso, reconfortam-se culpando os outros. Daí à vingança há um passo mínimo. Se todos não podem ganhar, pelo menos todos podem perder.

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