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Teilhard de Chardin e a existência de Deus
CARLOS HEITOR CONY
do Conselho Editorial
"Ser mais é unir-se cada vez
mais." A frase, entre outras,
faz parte do prólogo de "Le
Phenomène Humain" (Pékin,
1938), mais tarde tomo 1 das
"Oeuvres" (Paris, du Seuil,
1955).
Autor do livro e da obra:
Pierre Teilhard de Chardin,
nascido em Auvergne, maio de
1881, morto em Nova York, em
1955.
O que representam a frase, o
livro, a obra e o homem só pode ser medido em termos comparativos.
Teilhard de Chardin está para Tomás de Aquino como
Einstein para Newton. Ele não
chega a ser um filósofo e nunca
ousou a teologia propriamente
dita.
Seu ramo específico foi a paleontologia, incluindo os ramos periféricos ou paralelos: a
geologia e a antropologia.
Escavando nas montanhas
da Ásia, gradativamente ampliou seu pensamento, em
princípio em ordem paleontológica, mais tarde, já ao fim da
vida, reunindo suas experiências e reflexões numa teoria
que invadiu de forma inesperada e brilhante a filosofia.
À maneira de outros fundadores de sistemas, teve de criar
um vocabulário novo. Para se
penetrar em seu pensamento é
preciso destrinchar um glossário formado por termos oriundos da filosofia, da física, da
matemática e da teologia.
Além disso, há um número
ilimitado de estudiosos que estão procedendo à exegese de
seus textos mais claros.
Resultado: há tempos, pela
voz então oficial do Santo Ofício, a igreja pediu "cautela" a
esses especuladores -o que
equivale a uma condenação
pela metade.
Tentemos resumir o seu pensamento. O ponto de partida
foi a busca de um elo entre a
física e a biologia.
Nesse movimento de integração reside o tema fundamental
da visão teilhardiana do mundo: o cósmico, que em seu específico vocabulário é "a faculdade pela qual reagimos sinteticamente ao conjunto espacial e temporal das coisas para
aprender o todo como conceito
último e múltiplo".
Desse primeiro passo, Teilhard progride a um segundo
estágio: o humano. Ou, para
usarmos mais uma vez o seu
vocabulário, a tentativa de integração do homem no universo. Abriu-se para ele a saída
estonteante diante de um fato
paradoxal: o homem é o centro
da ciência que constrói.
Se substituirmos a palavra
"ciência" pela palavra "história" chegamos a uma aproximação escandalosa com
Marx e Engels.
E assim começam as imprevisíveis ramificações que, desenvolvidas em seus limites,
podem levar a uma aparente
consanguinidade com o materialismo histórico, apesar do
diferencial inamovível: a existência de uma consciência anterior à ciência e à história,
manifestada através da matéria em sua ânsia de integração
num todo físico, mental e social.
Citemos um trecho de Teilhard: "Apesar de tentativas
esparsas, não existe ainda
uma ciência do homem. Os
anatomistas e os biologistas
preocupam-se com o homem
integrando o seu corpo na história de sua vida, mas esquecendo-se de especificar o comportamento intrinsecamente
humano".
E o comportamento humano
é justamente o fenômeno que
preside ao universo: "A evolução com um sentido fundamental e intransferível em
busca de uma consciência,
uma consciência em busca de
um todo".
Ao contrário dos filósofos
(idealistas ou materialistas,
não importa) e ao contrário
dos teólogos, Teilhard de
Chardin não se preocupou
nem com a idéia, nem com o
fato, nem com Deus.
Partiu ele do homem, buscando suas raízes no fundo da
terra e da matéria, surpreendendo-a em suas raízes.
Foi pesquisando concretamente, abrindo crateras nas
expedições de Roy Chapman
Andrews (1930), na de
Haardt-Citroen (1931) e na de
Yale-Cambridge (na Índia setentrional, em 1935) que começaram a surgir e a ganhar corpo as duas paralelas que formariam a principal vertente
de seu pensamento: "A evolução é a consciência em ascensão".
Da primeira anêmona do
universo a seu produto até
aqui mais acabado, o homem,
tudo mostra a ascensão da
consciência. Por sua vez, o estágio final dessa ascensão leva
a um todo, a uma integração,
a um ser que é mais porque
uniu-se mais.
Muitas exegetas tiram dessa
teoria a hipótese de que Deus,
segundo Teilhard, ainda não
existe, mas está em formação,
lentamente, na história da
matéria, como um monstro de
mil modos e atributos.
Em seu trabalho de campo,
ele registrou tanto nos fósseis
(orgânicos) como nas camadas
geológicas (inorgânicas) a ânsia de união e aproximação,
ânsia colhida em seus nascedouros, captada no renovado
parto da matéria.
Teilhard de Chardin abusa
da palavra convergência. E todo o seu sistema converge, como uma complexa equação,
para um só resultado. "A afinidade de ente a ente não é específica do homem. É antes
uma propriedade geral da vida, de toda a matéria."
Chegamos assim à cosmovisão teilhardiana. Um sistema
que nunca o afastou do misticismo, embora fosse proibido
de exercer o sacerdócio em sua
plenitude.
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