São Paulo, sexta, 11 de julho de 1997.



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Teilhard de Chardin e a existência de Deus

CARLOS HEITOR CONY
do Conselho Editorial

"Ser mais é unir-se cada vez mais." A frase, entre outras, faz parte do prólogo de "Le Phenomène Humain" (Pékin, 1938), mais tarde tomo 1 das "Oeuvres" (Paris, du Seuil, 1955).
Autor do livro e da obra: Pierre Teilhard de Chardin, nascido em Auvergne, maio de 1881, morto em Nova York, em 1955.
O que representam a frase, o livro, a obra e o homem só pode ser medido em termos comparativos.
Teilhard de Chardin está para Tomás de Aquino como Einstein para Newton. Ele não chega a ser um filósofo e nunca ousou a teologia propriamente dita.
Seu ramo específico foi a paleontologia, incluindo os ramos periféricos ou paralelos: a geologia e a antropologia.
Escavando nas montanhas da Ásia, gradativamente ampliou seu pensamento, em princípio em ordem paleontológica, mais tarde, já ao fim da vida, reunindo suas experiências e reflexões numa teoria que invadiu de forma inesperada e brilhante a filosofia.
À maneira de outros fundadores de sistemas, teve de criar um vocabulário novo. Para se penetrar em seu pensamento é preciso destrinchar um glossário formado por termos oriundos da filosofia, da física, da matemática e da teologia.
Além disso, há um número ilimitado de estudiosos que estão procedendo à exegese de seus textos mais claros.
Resultado: há tempos, pela voz então oficial do Santo Ofício, a igreja pediu "cautela" a esses especuladores -o que equivale a uma condenação pela metade.
Tentemos resumir o seu pensamento. O ponto de partida foi a busca de um elo entre a física e a biologia.
Nesse movimento de integração reside o tema fundamental da visão teilhardiana do mundo: o cósmico, que em seu específico vocabulário é "a faculdade pela qual reagimos sinteticamente ao conjunto espacial e temporal das coisas para aprender o todo como conceito último e múltiplo".
Desse primeiro passo, Teilhard progride a um segundo estágio: o humano. Ou, para usarmos mais uma vez o seu vocabulário, a tentativa de integração do homem no universo. Abriu-se para ele a saída estonteante diante de um fato paradoxal: o homem é o centro da ciência que constrói.
Se substituirmos a palavra "ciência" pela palavra "história" chegamos a uma aproximação escandalosa com Marx e Engels.
E assim começam as imprevisíveis ramificações que, desenvolvidas em seus limites, podem levar a uma aparente consanguinidade com o materialismo histórico, apesar do diferencial inamovível: a existência de uma consciência anterior à ciência e à história, manifestada através da matéria em sua ânsia de integração num todo físico, mental e social.
Citemos um trecho de Teilhard: "Apesar de tentativas esparsas, não existe ainda uma ciência do homem. Os anatomistas e os biologistas preocupam-se com o homem integrando o seu corpo na história de sua vida, mas esquecendo-se de especificar o comportamento intrinsecamente humano".
E o comportamento humano é justamente o fenômeno que preside ao universo: "A evolução com um sentido fundamental e intransferível em busca de uma consciência, uma consciência em busca de um todo".
Ao contrário dos filósofos (idealistas ou materialistas, não importa) e ao contrário dos teólogos, Teilhard de Chardin não se preocupou nem com a idéia, nem com o fato, nem com Deus.
Partiu ele do homem, buscando suas raízes no fundo da terra e da matéria, surpreendendo-a em suas raízes.
Foi pesquisando concretamente, abrindo crateras nas expedições de Roy Chapman Andrews (1930), na de Haardt-Citroen (1931) e na de Yale-Cambridge (na Índia setentrional, em 1935) que começaram a surgir e a ganhar corpo as duas paralelas que formariam a principal vertente de seu pensamento: "A evolução é a consciência em ascensão".
Da primeira anêmona do universo a seu produto até aqui mais acabado, o homem, tudo mostra a ascensão da consciência. Por sua vez, o estágio final dessa ascensão leva a um todo, a uma integração, a um ser que é mais porque uniu-se mais.
Muitas exegetas tiram dessa teoria a hipótese de que Deus, segundo Teilhard, ainda não existe, mas está em formação, lentamente, na história da matéria, como um monstro de mil modos e atributos.
Em seu trabalho de campo, ele registrou tanto nos fósseis (orgânicos) como nas camadas geológicas (inorgânicas) a ânsia de união e aproximação, ânsia colhida em seus nascedouros, captada no renovado parto da matéria.
Teilhard de Chardin abusa da palavra convergência. E todo o seu sistema converge, como uma complexa equação, para um só resultado. "A afinidade de ente a ente não é específica do homem. É antes uma propriedade geral da vida, de toda a matéria."
Chegamos assim à cosmovisão teilhardiana. Um sistema que nunca o afastou do misticismo, embora fosse proibido de exercer o sacerdócio em sua plenitude.




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