São Paulo, sábado, 11 de agosto de 2001

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ANÁLISE

Como nenhum outro, autor consegue sacudir a platéia

ANTONIO BIVAR
ESPECIAL PARA A FOLHA

Este é o ano de Pinter. Na verdade ele nunca saiu de cartaz. Seja como autor, adaptador, roteirista cinematográfico, ator e diretor.
Pinter começou como ator, mas é como autor que tem registro estelar. É o maior dramaturgo inglês da segunda metade do século 20. Em maio, na fazenda Charleston (Inglaterra), eu o vi de frente, em uma tenda, onde ele leu sozinho e inteira, fazendo todos os personagens, sua peça "Celebration".
Bonitão, sensual sem o menor esforço, voz grave e rouca de anos de cigarro. Sua subida ao praticável arrepiou a platéia. "Como está envelhecido!" foi o sussurro geral.
Não o achei envelhecido. Gasto, talvez. Mas chegar aos 70 com essa pinta, só Pinter. Depois da leitura, brilhante em cada fala, ele parecia, sim, sem saco. Sem saco para as perguntas da platéia composta na maioria por aristocratas das letras e artes, afinal Charleston foi descoberta por Virginia Woolf em 1916 e desde então ficou com membros do Grupo de Bloomsbury e seus descendentes.
Foi nessa fazenda que Maynard Keynes escreveu "As Consequências Econômicas da Paz"! Tombada, a fazenda mantém há anos, em maio, um festival literário para associados e amigos. Há anos o frequento e já vi grandes cobras no mesmo praticável. Ninguém foi tão chocante quanto Pinter.
Ele, como nenhum outro autor, consegue sacudir uma platéia. Foi o que aconteceu. Vi gente constrangida com as idéias perversas e o linguajar baixo calão de personagens lidos por ele.
Foi uma leitura dramática, mas a peça é uma comédia. Muitas risadas relaxadas, mas muitas nervosas. Os comentários eram repetitivos: "Como podia Antonia Fraser, nobre de berço, ser casada com um homem grosso!" (Antonia, mulher de Pinter, estava lançando seu novo blockbuster, "Marie Antoinette", e tivera, antes do marido, sua hora na mesma tenda e fora a mais classuda).
Foi uma experiência tão emocionante como aquela, em 67, quando vi Fernanda Montenegro e Ziembinski chocarem a platéia inteira, no teatro Gláucio Gill, Rio, fazendo "A Volta ao Lar", de Pinter. O público, acostumado à uma Fernanda família (no máximo um Millôr), agora tão "depravada". Muitas senhoras se retiraram.
É, Pinter não mudou. Para o bem do teatro. Donde as grandes homenagens. Uma delas levada no Lincoln Center Festival de Nova York, em julho. Foram mostradas nove peças dele. Assisti em Londres a uma das cinco récitas de "One for the Road". Pinter como ator fazendo um investigador. A peça não daria 25 minutos, mas foi esticada a 40, graças às famosas pausas pinterianas.
Pinter sempre escreveu a partir de experiências vividas. Seu realismo absurdo tem ressonâncias universais. Ele faz poesia da batalha verbal. Com seu diálogo de parada de ônibus, rompeu com a eloquência de um Christopher Fry e com o academicismo de um Eliot. A banalidade das conversas podem ser negociação de vantagens, arma de ataque, um meio de evitar comunicação no ver de seu biógrafo Michael Billington.
E Pinter trata esse material com uma técnica elegante. Um tipo humano que sempre o fascinou foi o malandro arrivista, o safado de estilo, o cafajeste de vida baixa que consegue seduzir.
Até outubro, muitas outras homenagens lhe serão prestadas. E lady Antonia nas cercanias, discretamente botando lenha na fogueira. Não que ele precise, mas Pinter mesmo reconhece que A Presença de Antonia é comodidade indispensável.


Antonio Bivar é escritor, dramaturgo e autor de "O que É Punk", entre outros



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