|
Texto Anterior | Próximo Texto | Índice
ANÁLISE
Como nenhum outro, autor consegue sacudir a platéia
ANTONIO BIVAR
ESPECIAL PARA A FOLHA
Este é o ano de Pinter. Na
verdade ele nunca saiu de
cartaz. Seja como autor, adaptador, roteirista cinematográfico,
ator e diretor.
Pinter começou como ator, mas
é como autor que tem registro estelar. É o maior dramaturgo inglês
da segunda metade do século 20.
Em maio, na fazenda Charleston
(Inglaterra), eu o vi de frente, em
uma tenda, onde ele leu sozinho e
inteira, fazendo todos os personagens, sua peça "Celebration".
Bonitão, sensual sem o menor
esforço, voz grave e rouca de anos
de cigarro. Sua subida ao praticável arrepiou a platéia. "Como está
envelhecido!" foi o sussurro geral.
Não o achei envelhecido. Gasto,
talvez. Mas chegar aos 70 com essa pinta, só Pinter. Depois da leitura, brilhante em cada fala, ele
parecia, sim, sem saco. Sem saco
para as perguntas da platéia composta na maioria por aristocratas
das letras e artes, afinal Charleston foi descoberta por Virginia
Woolf em 1916 e desde então ficou
com membros do Grupo de
Bloomsbury e seus descendentes.
Foi nessa fazenda que Maynard
Keynes escreveu "As Consequências Econômicas da Paz"! Tombada, a fazenda mantém há anos,
em maio, um festival literário para associados e amigos. Há anos o
frequento e já vi grandes cobras
no mesmo praticável. Ninguém
foi tão chocante quanto Pinter.
Ele, como nenhum outro autor,
consegue sacudir uma platéia. Foi
o que aconteceu. Vi gente constrangida com as idéias perversas e
o linguajar baixo calão de personagens lidos por ele.
Foi uma leitura dramática, mas
a peça é uma comédia. Muitas risadas relaxadas, mas muitas nervosas. Os comentários eram repetitivos: "Como podia Antonia
Fraser, nobre de berço, ser casada
com um homem grosso!" (Antonia, mulher de Pinter, estava lançando seu novo blockbuster,
"Marie Antoinette", e tivera, antes
do marido, sua hora na mesma
tenda e fora a mais classuda).
Foi uma experiência tão emocionante como aquela, em 67,
quando vi Fernanda Montenegro
e Ziembinski chocarem a platéia
inteira, no teatro Gláucio Gill, Rio,
fazendo "A Volta ao Lar", de Pinter. O público, acostumado à uma
Fernanda família (no máximo um
Millôr), agora tão "depravada".
Muitas senhoras se retiraram.
É, Pinter não mudou. Para o
bem do teatro. Donde as grandes
homenagens. Uma delas levada
no Lincoln Center Festival de Nova York, em julho. Foram mostradas nove peças dele. Assisti em
Londres a uma das cinco récitas
de "One for the Road". Pinter como ator fazendo um investigador.
A peça não daria 25 minutos, mas
foi esticada a 40, graças às famosas pausas pinterianas.
Pinter sempre escreveu a partir
de experiências vividas. Seu realismo absurdo tem ressonâncias
universais. Ele faz poesia da batalha verbal. Com seu diálogo de
parada de ônibus, rompeu com a
eloquência de um Christopher
Fry e com o academicismo de um
Eliot. A banalidade das conversas
podem ser negociação de vantagens, arma de ataque, um meio de
evitar comunicação no ver de seu
biógrafo Michael Billington.
E Pinter trata esse material com
uma técnica elegante. Um tipo
humano que sempre o fascinou
foi o malandro arrivista, o safado
de estilo, o cafajeste de vida baixa
que consegue seduzir.
Até outubro, muitas outras homenagens lhe serão prestadas. E
lady Antonia nas cercanias, discretamente botando lenha na fogueira. Não que ele precise, mas
Pinter mesmo reconhece que A
Presença de Antonia é comodidade indispensável.
Antonio Bivar é escritor, dramaturgo e
autor de "O que É Punk", entre outros
Texto Anterior: Teatro: Harold Pinter ainda comemora 70 anos Próximo Texto: "Hamlet": Montagem fica apenas na superfície Índice
|