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Diretora circunda rios e terror do delta
DENISE MOTA
COLABORAÇÃO PARA A FOLHA, EM MONTEVIDÉU
Mergulhada nos recônditos da
Argentina, Lucrecia Martel percorre o delta do rio Paraná, lugar
tão turístico quanto soturno, a
cerca de 30 km de Buenos Aires.
Em seu novo projeto, a cineasta
ronda alguns entre os 350 rios,
riachos e canais que fazem parte
de um aprazível refúgio portenho,
na Província de Buenos Aires.
Procurado pelas possibilidades de
lazer e contato com a natureza, o
delta também foi cativeiro de presos políticos há cerca de 30 anos,
quando o comando militar do
país ocultou ali as vítimas do terror. O esconderijo fluvial do
maior centro de repressão da ditadura argentina foi detalhado pelo jornalista Horacio Verbitsky no
livro "El Silencio".
Martel vem conversando com
os ribeirinhos e constata que a noção de violência e morte paira há
tempos sobre a bucólica vida do
delta: ao entrevistar uma garota
de dez anos, ficou sabendo que
era sabido na década de 70 que
coisas estranhas aconteciam por
lá, e muitos dos moradores chegaram a perceber que havia por perto pessoas "em busca de socorro".
A bordo de um barco numa viagem que se estenderá até a próxima semana, flutuando sobre a
ironia e o paradoxo, a diretora
pretende adentrar no que classifica um processo de intuição, experimentação e aprendizado com as
histórias que lhe forem contadas,
itens sobre os quais quer construir seu novo filme, uma mescla
de documentário e ficção a respeito desse local destinado ao esquecimento. "O filme vai tratar da
idéia de rio, de circulação, de elementos que têm relação com essa
geografia do delta, um lugar de fuga e também de armadilha, uma
zona de esquecimento", diz.
Além dessa investigação, que
resultará num filme para TV
-realizado para a emissora pública Ciudad Abierta- e que a cineasta vê como "um exercício para sair" de suas seguranças narrativas, Martel também desenvolve
o primeiro esboço de seu próximo longa de ficção, trama de terror que, mais do que associada ao
medo, está vinculada à impotência, seu tema central de reflexão.
"É evidente que, historicamente, estamos atravessando um estado de impotência civil. Os poderes econômico e bélico se sobrepõem, as pessoas não estão de
acordo com a guerra que seus países desencadeiam e, mesmo assim, não podem fazer nada."
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