São Paulo, quinta-feira, 11 de agosto de 2005

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Diretora circunda rios e terror do delta

DENISE MOTA
COLABORAÇÃO PARA A FOLHA, EM MONTEVIDÉU

Mergulhada nos recônditos da Argentina, Lucrecia Martel percorre o delta do rio Paraná, lugar tão turístico quanto soturno, a cerca de 30 km de Buenos Aires.
Em seu novo projeto, a cineasta ronda alguns entre os 350 rios, riachos e canais que fazem parte de um aprazível refúgio portenho, na Província de Buenos Aires. Procurado pelas possibilidades de lazer e contato com a natureza, o delta também foi cativeiro de presos políticos há cerca de 30 anos, quando o comando militar do país ocultou ali as vítimas do terror. O esconderijo fluvial do maior centro de repressão da ditadura argentina foi detalhado pelo jornalista Horacio Verbitsky no livro "El Silencio".
Martel vem conversando com os ribeirinhos e constata que a noção de violência e morte paira há tempos sobre a bucólica vida do delta: ao entrevistar uma garota de dez anos, ficou sabendo que era sabido na década de 70 que coisas estranhas aconteciam por lá, e muitos dos moradores chegaram a perceber que havia por perto pessoas "em busca de socorro".
A bordo de um barco numa viagem que se estenderá até a próxima semana, flutuando sobre a ironia e o paradoxo, a diretora pretende adentrar no que classifica um processo de intuição, experimentação e aprendizado com as histórias que lhe forem contadas, itens sobre os quais quer construir seu novo filme, uma mescla de documentário e ficção a respeito desse local destinado ao esquecimento. "O filme vai tratar da idéia de rio, de circulação, de elementos que têm relação com essa geografia do delta, um lugar de fuga e também de armadilha, uma zona de esquecimento", diz.
Além dessa investigação, que resultará num filme para TV -realizado para a emissora pública Ciudad Abierta- e que a cineasta vê como "um exercício para sair" de suas seguranças narrativas, Martel também desenvolve o primeiro esboço de seu próximo longa de ficção, trama de terror que, mais do que associada ao medo, está vinculada à impotência, seu tema central de reflexão.
"É evidente que, historicamente, estamos atravessando um estado de impotência civil. Os poderes econômico e bélico se sobrepõem, as pessoas não estão de acordo com a guerra que seus países desencadeiam e, mesmo assim, não podem fazer nada."


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