São Paulo, Quarta-feira, 11 de Agosto de 1999
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LIVRO LANÇAMENTO
Boyd inclui Brasil em "O Destino de Natalie X"

SYLVIA COLOMBO
de Londres


O escritor William Boyd, 47, nunca esteve no Brasil. Durante a adolescência, passada em Gana, seu país natal, Boyd entrou em contato com a música brasileira por meio de um disco de Milton Nascimento e algumas gravações de chorinho.
"Desde então, uma obsessão com o Brasil e o estereótipo de alegria e redenção que o país representa me acompanhou por toda a vida", disse Boyd, em entrevista à Folha.
Em seu mais novo livro, a coletânea de contos "O Destino de Natalie X", que acaba de ser lançado no país pela editora Rocco, Boyd incluiu uma história que tem o Brasil como um cenário utópico.
"Jamais Vi o Brasil" é o nome da história de um taxista inglês e infeliz, o personagem Wesley Bright, cuja única satisfação na vida é ouvir a música de Milton, Wagner Tiso e João Gilberto.
Boyd, autor de "A Praia de Brazzaville" e "A Tarde Azul" atualmente está trabalhando num novo romance e prepara-se para a estréia mundial de seu primeiro filme como diretor ("The Trench"), no próximo Festival de Cinema de Edimburgo (Escócia), que acontece em setembro.
Leia abaixo trechos da entrevista que o escritor ganense, que vive em Londres e em Bergerac, cidade ao sul da França, concedeu com exclusividade à Folha.

Folha - O conto que dá o nome ao livro ("O Destino de Natalie X") é a história de um diretor africano que vai parar na indústria do cinema do primeiro mundo. O resultado é um problema de incompreensão mútua. É uma ironia quanto aos atuais confrontos culturais?
William Boyd -
Sim, queria mostrar como a indústria cultural consome a diversidade racial pelo único fato de que passou a precisar dela nestes tempos de globalização. Mas, que, em nenhum momento, a compreendeu.
"O Destino de Natalie X" é um conto sobre desencontros de idéias artísticas, posições sociais e raciais.

Folha - No conto "Jamais Vi o Brasil", o personagem que se apaixona pelo país, o taxista Wesley Bright, tem alguma coisa de autobiográfico?
Boyd -
Acho que na Europa, e no resto do mundo em geral, o Brasil é visto como um nirvana, uma fantasia. Isso me tomou durante minha vivência européia. Mas, ao lado desse estereótipo comum, carrego o Brasil que conheci ao ouvir música brasileira, chorinho, os mineiros do Clube da Esquina.
Sou obcecado pelo Brasil desde a adolescência. Nesse sentido, o conto é autobiográfico, pois reflete esta minha obsessão.

Folha - Fale mais sobre a importância da obsessão na literatura.
Boyd -
A literatura é fruto da obsessão, nós elegemos nossos ícones e referenciais.
A minha tem duas direções, uma delas é o Brasil, outra é a poesia portuguesa e sua cultura literária em geral.

Folha - No conto "Cork" há um poeta português que usa pseudônimos. Menção a Fernando Pessoa?
Boyd -
Exatamente, adoro a história de Pessoa e sua poesia. No conto, o poeta português é bem diferente de Pessoa, mas a paixão, a latinidade e a ambiguidade da cultura portuguesa estão ali.

Folha - Vamos continuar com as obsessões. Nesse livro, a maioria dos contos tem um protagonista estrangeiro. Por quê?
Boyd -
Acho que nenhum escritor consegue separar sua experiência própria de sua obra. Eu não consigo imaginar lugares ou situações muito diferentes das que vi e vivi.
Nasci em Gana, passei boa parte da minha juventude na Nigéria e, em seguida, fui estudar em Nice (França), Glasgow (Escócia) e Oxford (Inglaterra). Passei a maior parte de minha vida como um estrangeiro. Acho que toda a minha obra foi criada sob um ponto de vista estrangeiro.

Folha - Qual é sua ligação com a África, hoje?
Boyd -
Estive na Nigéria há alguns anos numa campanha de direitos humanos. Tinha um grande amigo lá, um escritor chamado Ken Saro-Wiwa, que foi morto por sua atividade política. Fiquei algum tempo por ali, participando de manifestações e campanhas. Acho que o continente todo está mudando rápido, crescendo, mas acho que o desrespeito aos direitos humanos é cada vez mais grave.

Folha - "A Good Man in Africa", seu primeiro romance, assim como outras sete histórias suas, foram levadas para as telas. Escrever histórias ricas em imagens é uma preocupação sua?
Boyd -
Não escrevo livros pensando em filmá-los. Acho que a preocupação com as imagens faz parte do meu estilo. Também não acho isso muito original.
Toda a geração literária pós-Segunda Guerra tem essa característica, que está relacionada com o momento que os meios de comunicação vivem atualmente.

Folha - Essa é sua segunda coletânea de contos, você prefere escrever romances?
Boyd -
Sim, sou um escritor de romances. Mas acho que as histórias curtas tem uma função muito especial para um contador de histórias que é a de oferecer um formato em que é possível experimentar.
Quando falo isso, quero dizer experimentar num sentido amplo, não apenas quanto às palavras, mas quanto às sensações dos personagens e à emoção do leitor.


Livro: O Destino de Natalie X
Autor: William Boyd
Lançamento: Rocco
Quanto: R$ 22 (164 págs.)


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