|
Texto Anterior | Próximo Texto | Índice
"A ÁRVORE DAS PALAVRAS"
Autora portuguesa tem livro lançado no Brasil e vem ao país para ciclo de palestras
Teolinda Gersão vislumbra África lírica e naturalista
MARCELO PEN
CRÍTICO DA FOLHA
Chega nesta segunda-feira ao
Brasil, para um ciclo de palestras que se inicia por Recife,
passa por São Paulo e Rio, a portuguesa Teolinda Gersão, autora
do romance "A Árvore das Palavras", que também está sendo
lançado.
Se você nunca ouviu falar dela,
não se preocupe. Embora seja autora de nove obras, tenha ganhado prêmios importantes em Portugal e seja tema de cerca de 30 teses em universidade brasileiras,
nenhum dos seus livros ainda havia sido publicado por aqui.
O romance que sai agora e minimiza essa "lacuna" tem, como
muitas obras recentemente lançadas, a África
como cenário. Longe do fluxo sinfônico de Lobo Antunes ou dos
abismos cerebrinos de Coetzee, a
ficção de Teolinda apresenta méritos próprios.
Em compasso duplo, "A Árvore
das Palavras" une naturalismo e
lirismo ao inserir numa narrativa
direta, visualmente detalhada e
fortemente calcada em referências espaciais, pedaços dos sonhos, frustrações e anseios de
seus personagens principais.
A protagonista é a moçambicana Gita, filha de portugueses de
baixa extração, Amélia e Laureano. É a ela quem cabe a voz narrativa da primeira e terceira partes
do romance, que transcorrem durante a meninice de Gita e, depois,
no verão dos seus 17 anos, quando
Moçambique explodia com os
conflitos pela independência.
De permeio a esses relatos, a segunda parte focaliza os pontos de
vista de Laureano (secundário) e
Amélia (principal). Esta última é
uma costureira parva e fantasista,
que sonha com a vida de suas freguesas ricas, pinta o cabelo para
parecer-se com as estrangeiras de
países abastados, guarda dicas de
beleza de revistas femininas e corresponde-se com senhores portugueses sob o nome de Patrícia
Hart.
Essa madame Bovary dos trópicos, talvez a personagem mais interessante do livro, é desprezada
pela filha, que a contrapõe a Lóia,
sua ama-de-leite. Gita divide o lar
entre a Casa Branca, que pertenceria à Amélia, e a Casa Preta de
Lóia. Na Casa Preta, Lóia acomoda-se aos ditames da natureza, ao
passo que, na Casa Branca, Amélia luta para impor a ordem de seu
mundozinho tacanho à exuberância selvática da África. Claro
que o esforço da portuguesa está
fadado à frustração.
Esse dualismo, com franca simpatia pela banda nativa, enfraquece um pouco o romance, fazendo-o parecer por vezes demagógico.
É fato que somos levados a conhecer, na segunda parte do livro, o
ponto de vista de Amélia, e a autora se esforça, num curto momento, para sugerir as mazelas do
"outro lado", mas o recado já foi
dado: os negros são bons, pois
oprimidos e em harmonia com a
natureza, e os brancos, se não favoráveis aos primeiros, maus.
Felizmente esse recado algo fácil
nos chega suplantado pela prosa
de Teolinda, que amalgama com
grande mestria os objetos da realidade com os estados de alma.
Como nos trechos: "A Terra é um
planeta desolado e morto, boiando" ou "O sol, sobre o quintal e a
casa, era o único olhar não cego".
No romance de Teolinda, além
dos conflitos, mas imiscuindo-se
neles, está a força irresistível de
suas palavras.
A Árvore das Palavras
Autor: Teolinda Gersão
Editora: Planeta
Quanto: R$ 27 (190 págs.)
Texto Anterior: Festival de Veneza: Competição vê "Eros", mais recente filme de Michelangelo Antonioni Próximo Texto: História: Valores de Thoreau contrastam com os dos EUA de George W. Bush Índice
|