São Paulo, sábado, 11 de setembro de 2004

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"A ÁRVORE DAS PALAVRAS"

Autora portuguesa tem livro lançado no Brasil e vem ao país para ciclo de palestras

Teolinda Gersão vislumbra África lírica e naturalista

MARCELO PEN
CRÍTICO DA FOLHA

Chega nesta segunda-feira ao Brasil, para um ciclo de palestras que se inicia por Recife, passa por São Paulo e Rio, a portuguesa Teolinda Gersão, autora do romance "A Árvore das Palavras", que também está sendo lançado.
Se você nunca ouviu falar dela, não se preocupe. Embora seja autora de nove obras, tenha ganhado prêmios importantes em Portugal e seja tema de cerca de 30 teses em universidade brasileiras, nenhum dos seus livros ainda havia sido publicado por aqui.
O romance que sai agora e minimiza essa "lacuna" tem, como muitas obras recentemente lançadas, a África como cenário. Longe do fluxo sinfônico de Lobo Antunes ou dos abismos cerebrinos de Coetzee, a ficção de Teolinda apresenta méritos próprios.
Em compasso duplo, "A Árvore das Palavras" une naturalismo e lirismo ao inserir numa narrativa direta, visualmente detalhada e fortemente calcada em referências espaciais, pedaços dos sonhos, frustrações e anseios de seus personagens principais.
A protagonista é a moçambicana Gita, filha de portugueses de baixa extração, Amélia e Laureano. É a ela quem cabe a voz narrativa da primeira e terceira partes do romance, que transcorrem durante a meninice de Gita e, depois, no verão dos seus 17 anos, quando Moçambique explodia com os conflitos pela independência.
De permeio a esses relatos, a segunda parte focaliza os pontos de vista de Laureano (secundário) e Amélia (principal). Esta última é uma costureira parva e fantasista, que sonha com a vida de suas freguesas ricas, pinta o cabelo para parecer-se com as estrangeiras de países abastados, guarda dicas de beleza de revistas femininas e corresponde-se com senhores portugueses sob o nome de Patrícia Hart.
Essa madame Bovary dos trópicos, talvez a personagem mais interessante do livro, é desprezada pela filha, que a contrapõe a Lóia, sua ama-de-leite. Gita divide o lar entre a Casa Branca, que pertenceria à Amélia, e a Casa Preta de Lóia. Na Casa Preta, Lóia acomoda-se aos ditames da natureza, ao passo que, na Casa Branca, Amélia luta para impor a ordem de seu mundozinho tacanho à exuberância selvática da África. Claro que o esforço da portuguesa está fadado à frustração.
Esse dualismo, com franca simpatia pela banda nativa, enfraquece um pouco o romance, fazendo-o parecer por vezes demagógico. É fato que somos levados a conhecer, na segunda parte do livro, o ponto de vista de Amélia, e a autora se esforça, num curto momento, para sugerir as mazelas do "outro lado", mas o recado já foi dado: os negros são bons, pois oprimidos e em harmonia com a natureza, e os brancos, se não favoráveis aos primeiros, maus.
Felizmente esse recado algo fácil nos chega suplantado pela prosa de Teolinda, que amalgama com grande mestria os objetos da realidade com os estados de alma. Como nos trechos: "A Terra é um planeta desolado e morto, boiando" ou "O sol, sobre o quintal e a casa, era o único olhar não cego". No romance de Teolinda, além dos conflitos, mas imiscuindo-se neles, está a força irresistível de suas palavras.


A Árvore das Palavras
   
Autor: Teolinda Gersão
Editora: Planeta
Quanto: R$ 27 (190 págs.)



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