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HISTÓRIA
Valores de Thoreau contrastam com os dos EUA de George W. Bush
CARLOS EDUARDO LINS E SILVA
ESPECIAL PARA A FOLHA
No último mês, comemorou-se nos EUA o sesquicentenário da primeira edição de "Walden", a obra-prima de Henry David Thoreau, filósofo, escritor e
um dos mais importantes inspiradores de diversos movimentos
sociais e políticos do século 20.
Embora haja uma espécie de
consenso sobre o caráter tipicamente "americano" do livro, nada
poderia estar mais distante dos
ensinamentos que o autor tentou
enfaticamente transmitir por seu
intermédio do que o tipo de vida
dominante em seu país nos dias
de hoje.
Ao contrário da simplicidade,
do respeito à natureza, do pacifismo, do desapego aos bens materiais, da liberdade em relação ao
Estado e outros valores que Thoreau pregou em "Walden" e outros escritos, agora nos EUA -e o
favoritismo de George W. Bush
nas intenções de voto para as eleições de novembro o confirma-
o que vigora são o consumismo
inconseqüente, a irresponsabilidade ambiental, a preponderância do Estado, o belicismo extremado.
Talvez tenham razão os que dizem que a importância de Thoreau atualmente é servir de consciência crítica para seus compatriotas e fonte de inspiração para a
minoria que ainda acredita nos
seus ideais. Nesse sentido, a divulgação, ainda que discreta, dada ao
aniversário de "Walden" -por
mais contraditório com seu espírito que tenha sido, por exemplo,
o lançamento de edições luxuosíssimas da obra- cumpriu um
papel importante.
As reportagens que saudaram a
data não puderam deixar de chamar a atenção do público para a
imensa distância que existe entre
a prática dos EUA como país
-que, por exemplo, recusa o
Protocolo de Kyoto e nada faz para diminuir as conseqüências potencialmente catastróficos do
efeito-estufa sobre o planeta- e
os princípios que Thoreau gostaria que seus conterrâneos tivessem seguido.
Em 1845, Thoreau -recém-formado pela já prestigiosa e exclusiva Universidade Harvard- construiu uma cabana -ao custo de
US$ 28- às margens do lago
Walden, nas proximidades da cidade de Concord, no Estado de
Massachusetts, Costa Leste dos
EUA.
Ali, viveu por dois anos, do seu
esforço e das oportunidades que a
natureza lhe oferecia para manter-se. E escreveu um diário, base
do livro que modestamente publicou em 1854. Levou cinco anos
para a primeira edição (de 2.000
exemplares) se esgotar.
Com o tempo, o livro se tornou
um best-seller, com mais de 200
edições e traduções para 25 línguas além do inglês. Ele foi uma
referência essencial do movimento ecológico nos anos 1950 e da
contracultura das décadas de 60 e
70 do século passado.
Além disso, seu estilo de prosa
-direto, despojado, límpido-
influenciou de maneira decisiva a
literatura americana, de Mark
Twain a Ernest Hemingway. Algumas de suas frases estão entre
as mais comumente lembradas
por cidadãos americanos em
qualquer ocasião, como a que
descreve a maioria dos homens e
suas vidas de "silencioso desespero" (quite desperation). Infelizmente, as citações a "Walden"
quase sempre se limitam a produzir efeito retórico e raramente
conduzem à ação.
Thoreau, que antes de "Walden" já havia publicado "A Desobediência Civil" (livro que influenciou decisivamente a resistência pacífica de Gandhi, Luther
King e outros, fundamentou filosoficamente a resistência dinamarquesa na Segunda Guerra
Mundial, a luta contra o apartheid
na África do Sul e o combate à
Guerra do Vietnã nos EUA nos
anos 60 e 70), embora seja muito
lembrado é muito pouco lido em
sua própria terra.
Mesmo assim, o simples fato de
ele ter existido e de suas idéias encontrarem algum eco -mesmo
neste início de século 21 tão pouco
receptivo a qualquer discurso que
não faça a apologia da guerra- é
um sinal de esperança para o futuro dos EUA que não pode ser
menosprezado.
Carlos Eduardo Lins da Silva é jornalista e diretor da Patri Relações Governamentais e Políticas Públicas
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