São Paulo, sexta, 11 de setembro de 1998

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FESTIVAIS
Drama situado na Itália é favorito em Veneza

AMIR LABAKI
enviado especial a Veneza

O drama italiano "Cosi Ridevano" (Assim Riam), de Gianni Amelio, tornou-se ontem o grande favorito ao Leão de Ouro da 55ª Mostra Internacional de Arte Cinematográfica de Veneza.
É, até o momento, neste penúltimo dia da competição, o único concorrente a combinar a originalidade e a majestade dos dignos vencedores dos grandes festivais.
Não se trata de um filme perfeito, sobretudo em seu final, mas obras-primas também têm defeitos.
"Cosi Ridevano" traz uma visão crua, densa, elíptica sobre quatro anos da vida de dois irmãos pobres da Itália na virada dos anos 60.
Amelio, que esteve no Brasil há dois anos como jurado da Mostra Internacional de Cinema de São Paulo, mais uma vez enfoca personagens que buscam uma nova vida por meio do movimento.
Era assim com "Ladrão de Crianças" (1992), Grande Prêmio do Júri em Cannes, e na saga albanesa "Lamerica -Tempo de Chegar" (1994), que lhe valeu aqui a Osella de diretor.
Em "Cosi Ridevano", os irmãos Giovanni e Pietro partem da Sicília para Turim. Vão lutar pela sobrevivência. O mais velho, Giovanni (Enrico Lo Verso), planeja trabalhar, mesmo analfabeto, para sustentar os estudos do caçula. Pietro (o estreante Francesco Giuffrida) não vai se render facilmente à estratégia traçada.
Os romances sociais de Dickens ("David Copperfield") e Steinbeck ("As Vinhas da Ira") são as referências literárias mais óbvias. No cinema, o amargo "Cosi Ridevano" parece o estranho cruzamento entre "Rocco e Seus Irmãos" (1960), de Lucchino Visconti, e "Ironweed" (1987), do aqui jurado Hector Babenco.
O filme se estrutura em seis capítulos de ritmo lento, cada um dedicado a um dia do ano, de 1958 a 1962. Em "Chegadas", o mito do sucesso fácil na cidade grande desmorona logo no desembarque dos irmãos.
"Enganos" revela a teia de pequenas traições montada sob a relação deles. A ascensão de Giovanni no submundo é o centro de "Dinheiro".
Em "Cartas", o projeto de Giovanni parece em curto-circuito com o desaparecimento do irmão. "Sangue" apresenta o teste supremo de solidariedade entre eles. Por fim, o estranhíssimo "Famílias" vai revelando aos poucos como ficaram os sonhos de Giovanni e seu irmão.
Não há equilíbrio total entre os episódios. Os dois centrais, "Dinheiro" e "Cartas", arrastam-se um pouco, arrefecendo a tensão. O filme poderia durar algo menos que suas duas horas e quatro minutos. Mereceria ainda uma conclusão mais contundente. Amelio a esboça, devolvendo os personagens à estação de trem onde tudo começou, mas a deixa escapar pelos dedos.
Ainda assim, apenas "Black Cat, White Cat" (Gato Preto, Gato Branco), de Emir Kusturica, parece capaz de roubar o Leão de Ouro de Gianni Amelio. Os demais concorrentes dos últimos dias sequer deveriam estar no páreo.
Todos os clichês da Irlanda se amontoam em "Dancing at Lughnasa", de Pat O'Connor, que permite a uma perdida Meryl Streep exercitar mais um sotaque. "Terminus Paradis" (Estação Final, Paraíso), do romeno Lucian Pintilie, é um instantâneo caótico do caos no Leste Europeu pós-socialista.
Nada supera em picaretagem, porém, "New Rose Hotel", de Abel Ferrara, um thriller "high-tech" adaptado de William Gibson. Christopher Walken e William Dafoe recorrem à prostituta Asia Argento para conseguir o passe de um cientista de gênio. Ferrara rodou meio filme, reciclou monotonamente as mesmas imagens pelo resto do tempo e embolsou a diferença. É o escândalo do ano.



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