São Paulo, Sábado, 11 de Setembro de 1999
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LITERATURA
"As Iniciais", novo livro de Bernardo Carvalho, mistura fatos reais e absurdo em trama labiríntica
Carvalho teima em escrever como gosta

Eder Chiodetto/Folha Imagem
Bernardo Carvalho lamenta a falta de interesse pela leitura; "tenho amigos próximos que nunca leram um livro na vida"



CYNARA MENEZES
da Reportagem Local

O jornalista, escritor e colunista da Folha Bernardo Carvalho, 39, adoraria ser best seller, mas teima em escrever da maneira que gosta: vertiginosamente. E o leitor brasileiro, teme, não está pronto para isso.
"As pessoas não se interessam muito", diz Carvalho. "Meus livros exigem uma certa concentração, um certo tempo, você tem que estar disponível para ler."
Parece ter razão. Embora seja elogiado pela crítica e publicado também na França, seus quatro primeiros livros -um de contos e três romances- venderam por aqui, no máximo, 2.000 exemplares cada um.
Há outro problema, opina: o leitor ideal tem que ser feliz, tranquilo. "Se estiver com dificuldades, com problemas, não dá para ler. No Brasil há essa dificuldade. Tenho amigos próximos que nunca leram um livro na vida."
Pobre público brasileiro, não sabe o que está perdendo. Com suas idas e vindas temporais, o que obriga o leitor muitas vezes a voltar páginas, "As Iniciais", novo livro de Bernardo Carvalho, é intrigante como uma novela policial -que não é.
Como quase revela o título, o livro assim se chama porque seus protagonistas não têm nome. Ou melhor, têm, mas aparecem na obra apenas as iniciais dos prenomes, assim como também dos lugares onde as tramas se passam.
É divertido perder-se em tantas letras e na mistura mental de personagens, confundidos entre eles mesmos e também muitas vezes baralhados entre as iniciais dos lugares, como em um buscar constante do fio da meada.
"Reduzir os protagonistas às iniciais era uma forma de criar um mistério em torno desses nomes, de fazer o nome virar uma estranheza", explica, ele próprio seduzido pela força dos nomes na formação da personalidade.
Drummondianamente, pergunta: "E se eu me chamasse Eduardo? Provavelmente seria uma pessoa completamente diferente. O que é você se chamar de um jeito? O que é ter uma identidade?".
Embora sem nomes por inteiro, os personagens de "As Iniciais" se deixam ver por completo aos olhos do leitor atento, com seu cinismo, falsidade e misoginia, durante o jantar aristocrático que ocupa praticamente toda a primeira parte da obra.
Uma crítica à burguesia? "Não", diz Carvalho. "Essa mesquinhez existiria em qualquer classe, ainda que os protagonistas fossem pobres ou miseráveis."
O estranho jantar, que se passa em um mosteiro de E. com comensais também raríssimos, aconteceu de verdade, e o escritor estava lá, garante.
"Este jantar aconteceu, os personagens existem. Quem morreu no livro morreu de fato, quem não morreu continua vivo", diz Bernardo. "O desdobramento não tem nada a ver com o real, mas a origem tem."
Da história real, Carvalho passou para o absurdo, em uma trama que, ao mesmo tempo que diz ser a mais "linear" que já escreveu, se perde em labirintos.
"Eu só consigo escrever desse jeito", diz, para explicar que sua opção narrativa não foi moldada. "Não faço para parecer intelectual, não é truque, não tem nada disso."
Quanto a ser best seller algum dia... "Acho difícil. Espero que o editor não saiba, mas acho difícil. Se eu chegar, acho que vai ser por acaso", diz.


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