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CRÍTICA
Romance constrói o mundo como alucinação
JOSÉ GERALDO COUTO
da Equipe de Articulistas
Em suas 130 páginas, o romance
"As Iniciais", de Bernardo Carvalho, é inesgotável. Seria impossível resumir seu enredo. Mais correto seria falar em uma teia de
enredos, atraindo o leitor para
um labirinto de personagens esboçados e situações entrevistas.
A primeira das duas partes em
que se divide o livro, intitulada
"A.", organiza-se em torno de um
jantar ao ar livre, junto a um antigo mosteiro restaurado, tudo indica que na ilha de Elba (assim como os personagens, os lugares
também são designados apenas
por iniciais).
No jantar, presidido pelo escritor M., aparentemente um doente
de Aids próximo da morte, o narrador conhece uns personagens,
reencontra outros e ouve histórias sobre outros mais.
O nexo entre essas pessoas e histórias nos é dado pelo ponto de
vista meio alucinado e nada confiável do narrador, um jornalista
brasileiro na Europa.
A segunda parte, "D.", passa-se
anos depois, no Brasil. O mesmo
narrador, desta vez num almoço
ao ar livre, num palacete na serra
(Petrópolis?), crê reconhecer entre os convidados um dos convivas do jantar em E., só que disfarçado sob outra identidade.
Várias das histórias narradas na
primeira parte são revisitadas a
partir de outros pontos de vista, e
a própria identidade de alguns
personagens é posta em dúvida.
Nesse jogo de luz e sombra, em
que a narração parece solapar a
todo momento suas próprias bases, o leitor não sente nunca sob
os pés o solo seguro dos romances
mais convencionais.
As histórias nos chegam filtradas por várias subjetividades. São
quase sempre o relato que alguém
contou a alguém que contou ao
narrador -ele mesmo um sujeito instável e fragmentado.
Entre os personagens cujas histórias conhecemos por esse método indireto estão um milionário
escocês, um mágico fracassado,
um dançarino de butô, um pintor
pedófilo e uma guerrilheira.
Fundo e figura
Mais até do que nos livros anteriores de Bernardo Carvalho, há
aqui uma correspondência perfeita entre o sentido geral do romance, sua estrutura e cada uma
de suas partes. Cada frase -em
geral longos períodos, repletos de
subordinações e apostos- é uma
versão em ponto menor do conjunto da narrativa.
Do mesmo modo, os inúmeros
destinos individuais narrados ou
esboçados espelham, em sua
constituição, os grandes temas
mencionados aqui e ali: a crise do
capitalismo, os impasses da arte.
O comentário aparentemente
idiota de um comensal, uma anedota referida ao acaso, um banal
ato falho: tudo pode vir a ser, a seu
tempo, a chave para o entendimento de uma cena ou personagem, senão de toda a trama. Não
será exagero chamar de diabólico
esse método narrativo.
Avaliação:
Livro: As Iniciais
Autor: Bernardo Carvalho
Lançamento: Companhia das Letras
Quanto: Preço não definido (130 págs.)
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