São Paulo, quinta-feira, 11 de outubro de 2001

Texto Anterior | Próximo Texto | Índice

RELÂMPAGOS

Mucosas

JOÃO GILBERTO NOLL

Estavas em coma aquela noite. Bati na vidraça do teu quarto esperando que me acolhesses com a lareira acesa, mas te vi na cama, a cabeça meio pra trás, lembrando vagamente a máscara mortuária de uma figura guarani; não parecias respirar, na certa tinhas bebido até cair, até chegar ao submundo mental, ao turismo pelos cemitérios de neurônios. Voltavas depois pra mim tão sem pistas, que perguntavas teu nome, tua procedência e tudo. Estavas em coma. Tanto, que quebrei o vidro com o punho e entrei. Sangrava minha mão. Vi que não havia o que fazer. Já tinhas certa lividez laqueada e só me restava te velar. Foi o que fiz? Não, não foi: deitei sobre o teu corpo e abandonei a língua na tua boca até clarear não só o dia, mas também a idéia de te incinerar.


Texto Anterior: Frase
Próximo Texto: Literatura: Norman Mailer volta a ser cotado ao Nobel
Índice



Copyright Empresa Folha da Manhã S/A. Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução do conteúdo desta página em qualquer meio de comunicação, eletrônico ou impresso, sem autorização escrita da Folhapress.