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CINEMA/ESTRÉIA
"A TEIA DE CHOCOLATE"
Longa de francês tem Isabelle Huppert no elenco
Claude Chabrol explora as falsas aparências do mundo
INÁCIO ARAUJO
CRÍTICO DA FOLHA
"É preciso salvar as aparências", diz Mika aos diretores de sua fábrica de chocolate.
Nessa altura, "A Teia de Chocolate" está começando, mas a frase é
uma senha do que virá a seguir.
Estamos na Suíça, terra por excelência das falsas aparências. E
parece que a vida dos personagens desse filme segue bem o ritmo local, onde as coisas parecem
todas se encaixar.
Mika é casada com o famoso
pianista André Polonski e tem como enteado o jovem Guillaume.
Existe no filme uma outra família
feliz, ou quase isso, composta por
Jeanne Pollet, uma jovem pianista, e sua mãe Brigitte, diretora de
um instituto de medicina legal.
Numa terra de aparências, a fofoca corre solta e, claro, em dado
momento uma amiga de Brigitte
faz a revelação incômoda: quando
Jeanne nasceu, houve uma momentânea troca de bebês no hospital. Tudo se desfez, mas agora,
para Jeanne, resta a dúvida: seria
ela filha de André? E seria Guillaume filho de Brigitte?
Por esse viés incisivo, Claude
Chabrol, 72, instaura o mistério e
a dúvida em seu filme, pois a
questão (quem é meu pai?) não é
coisa pequena. Digamos que sobre ela se edifica o cristianismo.
E, além disso, Jeanne não é uma
pianista como André Polonski?
Claro, nada é conclusivo. Mas a
existência da suposição (reforçada pela semelhança entre Jeanne e
a mãe -suposta mãe- de Guillaume) é bastante para nos introduzir numa história em que tudo
é um jogo de aparência e mistério.
No entanto, esse não é o único: o
principal mistério é Mika. Sobre
ela convém não adiantar muita
coisa -sob pena de contar toda a
história. De todo modo, Chabrol
deixa claro em vários momentos
que não fugirá a um princípio
central de sua obra: o mundo é
um mistério e cada ser encerra
mistérios não raro tenebrosos.
Qual a natureza desse mistério,
não ficaremos sabendo. Também
não saberemos ao certo qual a natureza do mal que cerca as pessoas. O mal é tão inexplicável
quanto a própria existência: ele
existe simplesmente. Diante dele,
pode-se ter uma atitude de ácida
ironia, tão típica de Chabrol.
Como Fritz Lang, seu mestre,
ele se distancia ligeiramente dos
personagens para observá-los à
distância. Se evita investigar a natureza do mal, em troca sua "Teia
de Chocolate" se detém com cuidado sobre como ele se manifesta.
É nessa medida que seu filme
consegue fazer o caminho oposto
da maior parte dos filmes. No início, nos dá a impressão de conhecer até de maneira íntima os personagens. Quando chegamos perto do final, nosso conhecimento
(que era fundado sobre aparências) vai se esgarçando e cada personagem vai sendo plenamente
reinstaurado em seu mistério.
É como se Chabrol filmasse sobrevoando os acontecimentos
(um personagem comenta isso, a
propósito do modo de executar
uma peça musical) e seus protagonistas. Como se mostrasse deles apenas a pele, enquanto a teia
de acontecimentos que se tece em
torno deles se encarregasse de esclarecer o acessório e, ao mesmo
tempo, toldar o essencial.
E como se Chabrol risse discretamente de nossas expectativas,
ao criar esses fantasmas que se
movem à nossa frente. E como se
cada revelação do mundo comportasse a instauração de uma zona de sombra correspondente. O
que é seguro: estamos diante de
um grande cineasta, em um momento de plenitude.
A Teia de Chocolate
Merci pour le Chocolat
Direção: Claude Chabrol
Produção: França, 2000
Com: Isabelle Huppert, Jacques Dutronc,
Anna Mouglalis
Quando: a partir de hoje no Frei Caneca
Unibanco Arteplex e Lumière
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