São Paulo, domingo, 11 de outubro de 2009

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Troféu abacaxi

"Alô, Alô, Terezinha" provoca reações de amor e ódio ao reproduzir o escracho do "Cassino do Chacrinha"; "Hoje, o Chacrinha não passaria da porta da televisão", defende-se o diretor

Divulgação
Oapresentador entre Ester Bem-Quer, Valéria Monamur [à esq.],Sandra Avião, Mariângela [à dir.], Cristina Azul e Márcia Val, em 1986

ANA PAULA SOUSA
ENVIADA ESPECIAL AO RIO

"Alô, Alô, Terezinha" leva à catarse. E ao ódio. Nas duas exibições do filme, nos festivais de cinema de Recife e do Rio, a plateia foi abaixo.
Cantou com os músicos que lançaram hits no "Cassino do Chacrinha"; gargalhou ao ver um parapente cair sobre Biáfra e interromper o seu "Voar, voar, subir, subir"; divertiu-se com a desafinação dos calouros.
Mas o documentário de Nelson Hoineff desperta também a ira de parte da crítica e do público. "É absurdo expor e ridicularizar os calouros e chacretes desse jeito", disse, à saída do CineOdeon, Anderson Martins, estudante de audiovisual.
"Tem intelectual que não consegue rir. Esse filme é coisa de povão, faz o que o Chacrinha fazia", emendou Paulo Girão, professor de música que, quando jovem, esteve no programa do velho e debochado palhaço Abelardo Barbosa (1917-1988).
O filme, em cartaz a partir do dia 30, mais do que compor uma biografia, pretende reviver um tempo e uma TV. O tempo da incorreção política e a TV anárquica. "Quis reproduzir o espírito do Chacrinha. Busco a diversão coletiva do programa de auditório", diz Hoineff. "O reverencial e o politicamente correto me enjoam."
Hoineff é acusado, porém, de flertar com o grotesco. "O nível de certas cenas não me agradou. Algumas declarações eram desnecessárias", disse, ao fim do filme, a ex-chacrete cabocla Jurema. Para outra dançarina, Lúcia Apache, "o filme explora a decadência".
Há quem discorde. "O filme é maravilhoso. Expõe um pouco a gente. Mas quem foi chacrete sempre se expôs, não?", perguntou Gracinha Copacabana. "Eu era doida pra ser filmada. Achei lindo demais o filme", empolgou-se Beth Boné.
Tomar contato com chacretes e calouros de um dos programas de maior sucesso da TV brasileira é aproximar-se do exército de anônimos que a indústria do entretenimento cria para, em seguida, descartar. "Fiquei esquecido, mas tenho alma de artista", crê Manuel de Jesus, buzinado dezenas de vezes. No filme, ele entoa "Quando o inverno chegar..." e, à chegada da nota mais aguda, buzina para si: "Fon-fon".
Há, ainda, os gagos que, aos tropeços, relembram os dias de troféu abacaxi e o homem que, após receber uma buzinada, ganhou o apelido de Almir Fon-fon. "Nem saía mais de casa. Só chorava", diz, chorando de novo, enquanto a plateia ri. São muitas as figuras recolocadas no picadeiro das câmeras por Hoineff.
"Meu limite foi o limite do Chacrinha. Não ridicularizo ninguém", garante. "Mas tem gente que só acha bons os documentários do Discovery ou aqueles sobre miséria."
Para Hoineff, o filme causa desconforto porque, ao vê-lo, o espectador é confrontado com o Brasil. "O Chacrinha é a antítese do que se faz agora. Hoje, ele não passaria da porta da TV." Quase em defesa própria, o diretor mantém, no filme, uma definição de Gilberto Gil: "O Chacrinha era um humorista. O humor é cáustico, é cruel".
Soa a crueldade, por exemplo, a exposição de Índia Potira, seminua, dançando em frente a uma fonte. Ela diz, porém, que o filme realizou, em parte, seu sonho de posar nua. Ao ser convidada para tirar uma foto para a Folha, perguntou: "Você quer como? Normal?". Ao ver-se incompreendida, explicou: "É pra eu ir vestida, né?".
Todas as ex-chacretes empolgam-se ante qualquer luzinha que remeta aos holofotes que um dia conheceram. "Você me viu no filme? Gostou?", pergunta Regina Pintinha. "Acho que esse filme recupera nossa história, mostra como a nossa vida continuou." Fátima Boa Viagem foi outra a sentir-se recompensada. "A gente estava no programa um dia e, no outro, sumiu", diz lembrando a morte do apresentador. "Foi muito difícil. Agora alguém lembrou da gente."
O que mais incomoda as chacretes no filme são as referências à vida sexual de cada uma delas. "É chato, mas cada uma fala por si. Para mim, nenhuma carapuça serviu", diz Regina Polivalente. "A gente estava lá para alegrar o programa."
Como diz Alceu Valença, Chacrinha era o velho libidinoso, e as chacretes, suas pastoras: "Ele levou o pastoril do Nordeste para a televisão. Sua raiz era a cultura popular". Talvez por isso fosse um barato um cassino do Chacrinha.

A jornalista ANA PAULA SOUSA viajou a convite do Festival do Rio



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