São Paulo, sábado, 11 de outubro de 1997.




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CRÍTICA
Elvis Costello esfria a Mingus Big Band

Otavio Dias de Oliveira/Folha Imagem
o cantor britânico Elvis Costello durante entrevista em São Paulo


CARLOS CALADO
especial para a Folha

O fã-clube do roqueiro e cantor britânico Elvis Costello não deve ter saído muito satisfeito do Palace, anteontem, na primeira noite do Free Jazz paulista.
Além de suportar o concerto de uma orquestra de jazz com incursões clássicas, os fãs de Costello ainda tiveram que se conformar em ver seu ídolo dividindo o palco com uma big band -o que significou mais uma dose de jazz.
Todo esse sacrifício para poder ouvir Costello cantar quatro canções que não tinham nada a ver com o passado roqueiro do ex-punk. "Um desperdício", reclamaram os mais frustrados.
Já para aqueles que foram ao Palace interessados no jazz, o saldo foi bastante positivo. Em primeiro lugar, porque, vale lembrar, a chance de se ouvir duas big bands numa mesma noite, em palcos brasileiros, é raríssima.
A orquestra liderada pelo pianista Marcus Roberts abriu a noite causando estranhamento a quem esperava ouvir uma big band em moldes mais modernos.
Não é à toa que Roberts usa uma formação pouco convencional, com quatro saxofones, dois trompetes, dois trombones e cozinha. A sonoridade buscada por ele remonta ao período pré-big bands.
Essa concepção um tanto museológica já vinha estampada no arranjo de "Bolivar Blues" (de Thelonious Monk). Os improvisos da banda são controlados e curtos, com vários solistas dividindo o mesmo "chorus".
Do mesmo modo que seu piano sintetiza estilos de mestres do jazz tradicional, como Jelly Roll Morton ou Fats Waller, Roberts busca um som orquestral afinado com essas influências.
Não é à toa também que, no arranjo de "Rhapsody in Blue" (Gershwin), ponto alto de seu concerto, Roberts toma certas liberdades que remetem ao jazz tradicional, seja um "chorus" no estilo de piano "stride", outro em swing ou usando efeitos timbrísticos típicos do jazz de Nova Orleans.
Quem prefere um jazz menos reverente ao passado vibrou com a entrada da Mingus Big Band e sua furiosa versão da minguasiana "Moanin"', liderada pelo sax barítono de Ronnie Cuber.
Enquanto o possesso trombonista Ku-Umba Frank Lacy incitava os parceiros com seus gritos, solistas de porte, como o trompetista Randy Brecker e o pianista Bruce Barth, davam seus recados. Sem falar no inusitado solo de Cuber, em levada de calipso, que arrancou sorrisos e aplausos.
Infelizmente, a idéia de intercalar números da Mingus Band com as duas aparições de Costello no palco acabou se mostrando prejudicial ao show da banda.
Nada contra a performance do simpático "crooner", que se saiu bem, especialmente nos dissonantes arranjos do trombonista Earl McIntyre para "Weird Nightmare" e "This Subdues My Passion" (ambas de Charles Mingus).
O problema é que Costello cantou somente baladas, todas lentas, quase arrastadas, que funcionaram como baldes de água fria sobre a vibração da banda.
Quem já teve a oportunidade de ouvir a Mingus Big Band no clube Fez, em Nova York, sabe que a banda, uma das duas ou três melhores do gênero, não teve tempo suficiente nem atmosfera para mostrar tudo do que é capaz.
Ainda assim, os parcos três números exibidos pela banda, recheados de improvisos longos, foram suficientes para deliciar boa parte da platéia.
Especialmente "Ysabel's Table Dance", que misturou colorações hispânicas com palmas e solos frenéticos dos saxofonistas John Stubblefield e Steve Slagle.
Mais que as tentativas revivalistas da geração Marsalis, a Mingus Band sugere que o futuro do jazz está na liberdade do improviso.



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