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MÚSICA
Artista participa de CD com regravações de sambas históricos da escola e diz que espera "ser enterrado de vez"
Chico Buarque canta e fala pela Mangueira
PEDRO ALEXANDRE SANCHES
enviado especial ao Rio de Janeiro
Normalmente arredio ao assédio
da imprensa, Chico Buarque quebra o silêncio ao participar de
"Chico Buarque de Mangueira",
CD e show compostos quase só de
reinterpretações de sambas clássicos da escola de samba carioca
-que elegeu o artista como homenageado de seu enredo de 1998.
Destinado a angariar fundos para a escola -inclusive para a constituição de um Centro de Memória
da Mangueira-, o projeto é produzido por Hermínio Bello de Carvalho (leia texto nesta página).
A única canção inédita é "Chão
de Esmeraldas", parceria -também inédita- entre Chico e Hermínio. O poema apresentado pelo
segundo levou o primeiro ao incomum ato de colocar melodia numa
letra já pronta.
Chico falou à Folha no último sábado, no Rio, sobre Mangueira,
criatividade, política e o livro de
Caetano Veloso.
Folha - Em que medida um projeto como esse da Mangueira retarda o lançamento de um próximo
disco de Chico Buarque?
Chico Buarque - Não posso
nem botar a culpa nesse disco, não
seria honesto. Eu estaria lançando
agora também um disco meu. Não
vou por incompetência. Não foi
nem tempo que faltou, foi assunto.
Folha - Você parece cada vez ter
menos pressa de lançar novos trabalhos. Por quê?
Chico - Pressa eu não tenho.
Desejo, sim. Gostaria de lançar,
mas com pressa não vale a pena.
Folha - Isso implica um distanciamento seu em relação à música?
Chico - Implica. À medida que
você vai compondo, não quer repetir o que já está feito. Parece que
já fez tudo, cada vez é mais custoso. Há sempre uma pressão interior. Se me cansar da música, escrevo um livro, mas preciso estar
criando. Senão não vou ser feliz.
Folha - Com que intensidade você é mangueirense?
Chico - Sou mangueirense desde criancinha, como dizem os torcedores. Garoto, já cantava:
"Mangueira, teu cenário é uma
beleza...". Achava que era "teu senado é uma beleza".
Folha - Desde sua geração, houve uma queda de qualidade de
compositores na MPB?
Chico - Gente nova há, a permanência é que é difícil de prejulgar. Os compositores hoje parecem mais próximos da letra, é engraçado. Acho, como dizia o Nelson Cavaquinho, a música mais
importante que a letra.
Folha - Mesmo os bons letristas
não são raros hoje?
Chico - Tenho lido letras muito
boas. Li uma do Chico César que é
uma maravilha, falando dos olhinhos do gravador, da cigana lendo
a mão do Paulo Freire. Só li a letra.
É de alta qualidade.
Folha - Aquela necessidade de
ruptura que acompanhava sua geração deixou de existir?
Chico - Uma ruptura no momento, não vejo. Mas é claro que
vai chegar um momento em que
aparecerá alguma coisa que -tomara- me enterre de vez (ri).
Luiz Morier/AJB
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Chico Buarque segura seu neto Francisco, no barracão da Mangueira
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Folha - Parece haver uma desaceleração nesse processo de superação. Isso não faz com que os artistas de sua geração se tornem
mitos cada vez maiores e passem a
criar menos, a ficar mais preguiçosos, desacelerando junto com eles
seus sucessores?
Chico - Não vejo preguiça nisso.
Poderia até ser, mas me sinto tão
criativo quanto há 30 anos. Hoje
escrever uma canção me custa
mais que fazer dez há 30 anos, mas
o resultado, para mim, é positivo.
Folha - Questões políticas e sociais se tornaram menos importantes na sua música com o tempo?
Chico - Músicas diretamente
políticas hoje não estou sentindo
necessidade de fazer. As com temática social sempre são feitas.
Folha - Com menos impacto...
Chico - Sem dúvida. O papel do
artista na ditadura é superdimensionado. Não tenho a menor nostalgia disso.
Folha - O governo FHC pode estimulá-lo a criar canções políticas?
Chico - Uma canção frontalmente de oposição, não. Não é o
caso. Na época do Médici, eu queria o fim da ditadura. Hoje não
quero derrubar governo nenhum.
Folha - Você leu o livro de Caetano? Qual a sua impressão?
Chico - Estou lendo. Estou gostando muito, até discordando de
algumas coisas. A forma como ele
vê Augusto Boal me pareceu um
pouco injusta. Ele vê um sectarismo do Boal, eu vejo só uma surdez
musical brutal. Páreo para o Boal,
só o Zé Celso (ri).
Folha - Chico Buarque escreveria
um livro como esse de Caetano?
Chico - Acho difícil. Normalmente, quando sento para escrever, me sinto um ficcionista.
Quem sabe, quando chegar ao final do livro, fale: "Ah, não. Vou
contar o lado B dessa história".
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