São Paulo, terça, 11 de novembro de 1997.




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MÚSICA
Artista participa de CD com regravações de sambas históricos da escola e diz que espera "ser enterrado de vez"
Chico Buarque canta e fala pela Mangueira

PEDRO ALEXANDRE SANCHES
enviado especial ao Rio de Janeiro

Normalmente arredio ao assédio da imprensa, Chico Buarque quebra o silêncio ao participar de "Chico Buarque de Mangueira", CD e show compostos quase só de reinterpretações de sambas clássicos da escola de samba carioca -que elegeu o artista como homenageado de seu enredo de 1998.
Destinado a angariar fundos para a escola -inclusive para a constituição de um Centro de Memória da Mangueira-, o projeto é produzido por Hermínio Bello de Carvalho (leia texto nesta página).
A única canção inédita é "Chão de Esmeraldas", parceria -também inédita- entre Chico e Hermínio. O poema apresentado pelo segundo levou o primeiro ao incomum ato de colocar melodia numa letra já pronta.
Chico falou à Folha no último sábado, no Rio, sobre Mangueira, criatividade, política e o livro de Caetano Veloso.

Folha - Em que medida um projeto como esse da Mangueira retarda o lançamento de um próximo disco de Chico Buarque?
Chico Buarque -
Não posso nem botar a culpa nesse disco, não seria honesto. Eu estaria lançando agora também um disco meu. Não vou por incompetência. Não foi nem tempo que faltou, foi assunto.
Folha - Você parece cada vez ter menos pressa de lançar novos trabalhos. Por quê?
Chico -
Pressa eu não tenho. Desejo, sim. Gostaria de lançar, mas com pressa não vale a pena.
Folha - Isso implica um distanciamento seu em relação à música?
Chico -
Implica. À medida que você vai compondo, não quer repetir o que já está feito. Parece que já fez tudo, cada vez é mais custoso. Há sempre uma pressão interior. Se me cansar da música, escrevo um livro, mas preciso estar criando. Senão não vou ser feliz.
Folha - Com que intensidade você é mangueirense?
Chico -
Sou mangueirense desde criancinha, como dizem os torcedores. Garoto, já cantava: "Mangueira, teu cenário é uma beleza...". Achava que era "teu senado é uma beleza".
Folha - Desde sua geração, houve uma queda de qualidade de compositores na MPB?
Chico -
Gente nova há, a permanência é que é difícil de prejulgar. Os compositores hoje parecem mais próximos da letra, é engraçado. Acho, como dizia o Nelson Cavaquinho, a música mais importante que a letra.
Folha - Mesmo os bons letristas não são raros hoje?
Chico -
Tenho lido letras muito boas. Li uma do Chico César que é uma maravilha, falando dos olhinhos do gravador, da cigana lendo a mão do Paulo Freire. Só li a letra. É de alta qualidade.
Folha - Aquela necessidade de ruptura que acompanhava sua geração deixou de existir?
Chico -
Uma ruptura no momento, não vejo. Mas é claro que vai chegar um momento em que aparecerá alguma coisa que -tomara- me enterre de vez (ri).
Luiz Morier/AJB
Chico Buarque segura seu neto Francisco, no barracão da Mangueira


Folha - Parece haver uma desaceleração nesse processo de superação. Isso não faz com que os artistas de sua geração se tornem mitos cada vez maiores e passem a criar menos, a ficar mais preguiçosos, desacelerando junto com eles seus sucessores?
Chico
- Não vejo preguiça nisso. Poderia até ser, mas me sinto tão criativo quanto há 30 anos. Hoje escrever uma canção me custa mais que fazer dez há 30 anos, mas o resultado, para mim, é positivo.
Folha - Questões políticas e sociais se tornaram menos importantes na sua música com o tempo?
Chico -
Músicas diretamente políticas hoje não estou sentindo necessidade de fazer. As com temática social sempre são feitas.
Folha - Com menos impacto...
Chico -
Sem dúvida. O papel do artista na ditadura é superdimensionado. Não tenho a menor nostalgia disso.
Folha - O governo FHC pode estimulá-lo a criar canções políticas?
Chico -
Uma canção frontalmente de oposição, não. Não é o caso. Na época do Médici, eu queria o fim da ditadura. Hoje não quero derrubar governo nenhum.
Folha - Você leu o livro de Caetano? Qual a sua impressão?
Chico -
Estou lendo. Estou gostando muito, até discordando de algumas coisas. A forma como ele vê Augusto Boal me pareceu um pouco injusta. Ele vê um sectarismo do Boal, eu vejo só uma surdez musical brutal. Páreo para o Boal, só o Zé Celso (ri).
Folha - Chico Buarque escreveria um livro como esse de Caetano?
Chico -
Acho difícil. Normalmente, quando sento para escrever, me sinto um ficcionista. Quem sabe, quando chegar ao final do livro, fale: "Ah, não. Vou contar o lado B dessa história".



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