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CRÍTICA
Saudade do passado quase ofusca nobre intenção
do enviado especial
Além de ser um projeto nitidamente comercial, "Chico Buarque
de Mangueira" é, em certa medida,
a reedição de um outro disco histórico de Mangueira: "Fala, Mangueira!", de 1968. Agora, as coisas
se dão de forma talvez mais afetiva.
Mangueirenses roxos como Nelson Sargento, Jamelão, Alcione,
Lecy Brandão, João Nogueira (e
aqui Beth Carvalho faz falta à beça)
unem-se ao cicerone Chico Buarque pela vontade de cantar sua tradição e fortalecer sua escola.
Não se repete o talento bruto que
se impunha em 68, na gravação
conjunta de Cartola, Clementina
de Jesus, Nelson Cavaquinho, Carlos Cachaça, Odete Amaral e Zezinho. Desnecessário notar que um
tal elenco seria hoje irreprodutível.
Se a cultura pura deu lugar 29
anos depois a até certa arte turística, alguns elementos permanecem
tão intactos quanto a própria nobreza da Mangueira.
Assim estão aqui muitos dos
sambas que a nata da escola cantava daquela vez, como "Lá em
Mangueira" (de Herivelto Martins
e Heitor dos Prazeres), "Alvorada" (Cartola-Cachaça-Hermínio
Bello de Carvalho) ou "Exaltação
à Mangueira" (Aloísio Augusto da
Costa-Enéas Brites).
Aqui está também o produtor
Hermínio Bello de Carvalho, antes
apenas assistente de produção. É
mesmo por sua obra que um disco
de memorabilia como esse pode se
enriquecer de novidade.
É aí também que desfila uma galeria de obras de gênio de Geraldo
Pereira, em apoteoses como "Pisei num Despacho" e "Polícia no
Morro". Nem João Gilberto resgatou lampejos tão impressionantes
de Geraldo Pereira.
Não menos se deve afirmar sobre
a lírica "Agoniza, mas Não Morre", de Nelson Sargento, a melancólica/profética "Como Será o
Ano 2000?" ou a malandra "Se Eu
Pudesse" (Zé da Zilda-Germano
Augusto).
O samba de raiz decresce, entretanto, nas interpretações. Afora as
intervenções de Nelson Sargento,
Jamelão e Lecy Brandão, o disco é
tomado de samba contaminado de
certo racionalismo MPB.
Quem puxa a tendência é o próprio Chico. Bonito em "Sala de
Recepção" e "Folhas Secas" e correto na citação ao "Chão de Estrelas" de Silvio Caldas e Orestes Barbosa na nova "Chão de Esmeraldas", ele não chega a parecer um
sambista, mas antes um reverenciador distanciado do samba.
Tais momentos, se não oferecem
samba de fato, rendem belos tributos (especialmente nas intervenções de Christina e de Carlinhos
Vergueiro).
Nem o samba de fato chega a ser
garantia de mil maravilhas -a hiperbólica Alcione, por exemplo,
devasta a sutileza de "Estação
Derradeira" (outra de Chico), já
debilitada pela citação "esperta" à
trilha de "Amarcord", de Fellini.
Pagodeira desabusada, nem em
sambas autênticos da Mangueira
-os de Geraldo Pereira, que canta
em dueto com Nelson Sargento-
ela se encaixa com naturalidade.
No balanço, é tirar o chapéu aos
nobres que ousam fazer ressurgir
fatias irretocáveis da cultura popular nacional -ainda que a saudade
dos tempos idos de Clementina e
Cavaquinho ressurja redobrada ao
final do CD.
(PAS)
Disco: Chico Buarque de Mangueira
Artistas: Alcione, Carlinhos Vergueiro,
Chico Buarque, Christina, Jamelão, João
Nogueira, Lecy Brandão, Nelson Sargento,
Velha Guarda da Mangueira
Lançamento: BMG
Quanto: R$ 18, em média
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