São Paulo, terça, 11 de novembro de 1997.




Texto Anterior | Próximo Texto | Índice

CRÍTICA
Saudade do passado quase ofusca nobre intenção

do enviado especial

Além de ser um projeto nitidamente comercial, "Chico Buarque de Mangueira" é, em certa medida, a reedição de um outro disco histórico de Mangueira: "Fala, Mangueira!", de 1968. Agora, as coisas se dão de forma talvez mais afetiva.
Mangueirenses roxos como Nelson Sargento, Jamelão, Alcione, Lecy Brandão, João Nogueira (e aqui Beth Carvalho faz falta à beça) unem-se ao cicerone Chico Buarque pela vontade de cantar sua tradição e fortalecer sua escola.
Não se repete o talento bruto que se impunha em 68, na gravação conjunta de Cartola, Clementina de Jesus, Nelson Cavaquinho, Carlos Cachaça, Odete Amaral e Zezinho. Desnecessário notar que um tal elenco seria hoje irreprodutível.
Se a cultura pura deu lugar 29 anos depois a até certa arte turística, alguns elementos permanecem tão intactos quanto a própria nobreza da Mangueira.
Assim estão aqui muitos dos sambas que a nata da escola cantava daquela vez, como "Lá em Mangueira" (de Herivelto Martins e Heitor dos Prazeres), "Alvorada" (Cartola-Cachaça-Hermínio Bello de Carvalho) ou "Exaltação à Mangueira" (Aloísio Augusto da Costa-Enéas Brites).
Aqui está também o produtor Hermínio Bello de Carvalho, antes apenas assistente de produção. É mesmo por sua obra que um disco de memorabilia como esse pode se enriquecer de novidade.
É aí também que desfila uma galeria de obras de gênio de Geraldo Pereira, em apoteoses como "Pisei num Despacho" e "Polícia no Morro". Nem João Gilberto resgatou lampejos tão impressionantes de Geraldo Pereira.
Não menos se deve afirmar sobre a lírica "Agoniza, mas Não Morre", de Nelson Sargento, a melancólica/profética "Como Será o Ano 2000?" ou a malandra "Se Eu Pudesse" (Zé da Zilda-Germano Augusto).
O samba de raiz decresce, entretanto, nas interpretações. Afora as intervenções de Nelson Sargento, Jamelão e Lecy Brandão, o disco é tomado de samba contaminado de certo racionalismo MPB.
Quem puxa a tendência é o próprio Chico. Bonito em "Sala de Recepção" e "Folhas Secas" e correto na citação ao "Chão de Estrelas" de Silvio Caldas e Orestes Barbosa na nova "Chão de Esmeraldas", ele não chega a parecer um sambista, mas antes um reverenciador distanciado do samba.
Tais momentos, se não oferecem samba de fato, rendem belos tributos (especialmente nas intervenções de Christina e de Carlinhos Vergueiro).
Nem o samba de fato chega a ser garantia de mil maravilhas -a hiperbólica Alcione, por exemplo, devasta a sutileza de "Estação Derradeira" (outra de Chico), já debilitada pela citação "esperta" à trilha de "Amarcord", de Fellini.
Pagodeira desabusada, nem em sambas autênticos da Mangueira -os de Geraldo Pereira, que canta em dueto com Nelson Sargento- ela se encaixa com naturalidade.
No balanço, é tirar o chapéu aos nobres que ousam fazer ressurgir fatias irretocáveis da cultura popular nacional -ainda que a saudade dos tempos idos de Clementina e Cavaquinho ressurja redobrada ao final do CD. (PAS)

Disco: Chico Buarque de Mangueira Artistas: Alcione, Carlinhos Vergueiro, Chico Buarque, Christina, Jamelão, João Nogueira, Lecy Brandão, Nelson Sargento, Velha Guarda da Mangueira Lançamento: BMG Quanto: R$ 18, em média


Texto Anterior | Próximo Texto | Índice



Copyright Empresa Folha da Manhã S/A. Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução do conteúdo desta página em qualquer meio de comunicação, eletrônico ou impresso, sem autorização escrita da Agência Folha.