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Hermínio Bello guarda arquivo com inéditas
do enviado especial
A figura por trás da concepção de
"Chico Buarque de Mangueira" é
também a figura por trás de parte
considerável do que tem sido produzido em MPB nos últimos quase
40 anos.
O carioca Hermínio Bello de
Carvalho, 62, produtor do disco e
do show mangueirense -que incluem, além de Chico, as participações de Nelson Sargento, Jamelão, Lecy Brandão, Alcione, Christina, João Nogueira, Carlinhos
Vergueiro, Velha Guarda da Mangueira e (só no show) Beth Carvalho-, prefere se considerar apenas um coadjuvante nesse cenário.
"A minha história não tem a menor importância", afirma. "Fui
um garoto neto de um violeiro, de
origem muito humilde, que conviveu com Cartola, Carlos Cachaça,
Padeirinho, Nelson Cavaquinho.
Virei um animador cultural, mas o
valor era todo deles."
Apesar da modéstia, foi ele quem
evidenciou nomes como os de Clementina de Jesus -ao lançá-la,
quando ela tinha já 63 anos, em
1965, no show "Rosa de Ouro"-
e Paulinho da Viola, seu parceiro
até hoje.
Um exame rápido na música popular brasileira pós-1960 demonstra-o, também, letrista de uma lista extensa de clássicos, a partir de
"Cicatriz", parceria com Zé Keti
cantada por Nara Leão no mitológico show "Opinião".
Com Cartola e Carlos Cachaça,
compôs "Alvorada" (que Clara
Nunes transformou em sucesso).
Introduziu poemas aos choros de
Jacob do Bandolim "Noites Cariocas" e "Doce de Coco".
Em parceria com Paulinho da
Viola, conta um rosário: "Sei Lá
Mangueira", "Rosa de Ouro"
(também de Elton Medeiros), a recente "Timoneiro". O mesmo
Paulinho tornou clássica "Mas
Quem Disse Que Eu Te Esqueço?",
parceria com Ivone Lara.
Foi interpretado por Dalva de
Oliveira ("Folhas no Ar"), Elizeth
Cardoso ("Valsa da Solidão"),
Marlene ("Catedral do Inferno"),
Elza Soares ("Sei Lá Mangueira"),
Nara Leão ("Pintou e Bordou"),
Maria Bethânia ("Cobras e Lagartos"), Nana Caymmi ("Prelúdio
da Solidão"), Ademilde Fonseca e
Gal Costa (ambas cantaram "Noites Cariocas").
Diz que Linda Batista foi sua primeira incentivadora, ainda nos
anos 50. "Era muito generosa comigo. Eu era um garoto muito pobre, que tinha um único paletó, e
ela acreditou em mim. A partir daí
fui conhecendo Dalva, Araci de Almeida, Jacob do Bandolim, Elizeth..."
Jornalista e produtor de shows,
rádio e TV, fez de sua casa ponto
de reunião de toda a alta tradição
da música popular espraiada a
partir do Rio de Janeiro.
Hoje, além de lutar pela criação
do Centro de Memória da Mangueira, supervisiona o projeto Empório da Magia, de documentação
de fitas cassete gravadas ao longo
dos anos em sua casa, em conversas e rodas de samba. Em que vão
dar os arquivos que vêm sendo
reunidos a partir daí, nem ele sabe
-por enquanto, só os organiza.
"A Clementina, por exemplo,
não vai ser redescoberta pela gravadora dela. A EMI está se lixando
para o acervo que possui. A importância dela vai se dar lá fora, há
pessoas na Europa que colecionam
seus discos. Nossa velha subserviência ao produto estrangeiro esmaga o que a gente faz. Essa é minha luta pessoal. Só não sei como
fazer", diz.
Foi na mesma EMI que ele apostou em Clementina, fez o primeiro
disco individual de Paulinho da
Viola e apresentou Simone ("se
ela resolveu seguir outro rumo depois, a culpa não é minha").
Reconhece a ousadia de apresentar Clementina -potencialmente
uma ancestral de João Gilberto-
no cenário pós-bossa nova. "Disso, sim, eu tenho plena certeza.
São essas coisas que são significativas na minha vida."
Suas fitas registram desde o momento em que Paulinho da Viola
cantou sua "Na Linha do Mar" a
Clementina (que a gravaria em 73
-e manifesta entusiasmo instantâneo pela canção) até momentos
bossanovistas como Tom Jobim
cantando "O Morro Não Tem
Vez" ou gravações até hoje inéditas de Cartola e Nelson Cavaquinho.
Em "Chico Buarque de Mangueira", Hermínio retoma a atividade prospectiva, resgatando do
limbo, entre outras, "Capital do
Samba", do mangueirense Zé Ramos, 86.
"Esse disco tem a peculiaridade
das descobertas", diz. "Padeirinho estava esquecido, quase ninguém lembra de Geraldo Pereira.
Descobri quatro sambas maravilhosos de Zé Ramos -imagine o
que devem ser os outros. Esse é
meu próximo projeto: cavoucar
esse repertório maravilhoso dos
sambas de terreiro da Mangueira.
A Portela devia fazer o mesmo."
Enquanto Hermínio escava as
minas mangueirenses, os arquivos
de sua própria casa permanecem
semivirgens -nenhum patrocinador ou gravadora se interessou
por eles até aqui.
(PAS)
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