São Paulo, segunda-feira, 11 de novembro de 2002

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CINEMA

Organizadas pela viúva Christiane Kubrick, fotos registram da infância ao set do último trabalho do cineasta

Álbum imprime lenda Stanley Kubrick

AMIR LABAKI
ARTICULISTA DA FOLHA

"Stanley Kubrick - A Life in Pictures" vai muito além da celebração de um gênio por sua viúva. A ex-atriz e frágil artista plástica Christiane Kubrick, a terceira e última mulher do diretor de "De Olhos Bem Fechados" (99), selecionou e escreveu as legendas do extraordinário álbum de fotografias que acompanha Kubrick do berço às locações do último filme.
Como o documentário homônimo, disponível em DVD no Brasil e dirigido por Jan Harlan, irmão de Christiane, há no volume um inequívoco tom solene e oficial. Seria um motivo tolo demais para desprezar a ambos, filme e livro. Há qualidades suficientes nos dois para torná-los obrigatórios para quem pretenda pesquisar a esfinge Kubrick.
O volume começa com duas epígrafes do próprio cineasta. "Não é uma mensagem que tentei transmitir por palavras", diz a primeira. "Real é bom, interessante é melhor", assevera a segunda. Seguem-se, antes das fotos, um prefácio de Steven Spielberg, a introdução de Christiane e uma cronologia sintética. Fechando o volume, um valioso apêndice com fichas técnicas da carreira do diretor.
Spielberg lembra a relação pessoal e profissional com Kubrick, que legou a ele o irregular e subestimado "Inteligência Artificial" (2001). Nada como um grande batendo continência para outro, ainda maior. "Stanley Kubrick foi o grande mestre do cinema. Criou mais que filmes. Deu-nos completas experiências ambientais que se tornam mais, e não menos, intensas quanto mais as vemos", sustenta. "Ele não copiou ninguém, enquanto todos nós rastejávamos tentando imitá-lo."
Christiane, lembra Spielberg, esteve casada com Kubrick por 42 anos. Sua devoção emana de cada texto abaixo das fotos. Não se furta mesmo a incluir um belo flagrante de camarim da bailarina Ruth Sobotka, a segunda mulher do jovem Kubrick -esquecida pelo documentário de Harlan.
O álbum cumpre o que promete no título -uma vida em fotos. Eis Kubrick das origens numa ascendente família nova-iorquina ao set britânico de filmagens de "De Olhos Bem Fechados". As imagens comprovam: Kubrick viveu para filmar. Raras são as fotos eminentemente privadas -várias tiradas por ele mesmo.
Estrutura-se o volume em duas partes e um intervalo. Neste, Christiane reúne oito retratos que fez do marido. Cinco são pinturas, sendo uma póstuma. Três são fotográficos: sem barba, abraçando a primeira filha, em 1959; barbudo, ao lado do cachorro, em 1978; e tomando um café na cozinha de casa, no final de 1998.
Na primeira parte, de 1928 a 1964, reúnem-se os retratos do artista quando jovem. A imensa maioria traz Kubrick sem barba, trajando terno e gravata, ao lado de uma câmera, fotográfica ou cinematográfica. Não faltam instantâneos colhidos por ele mesmo, seja em sua primeira carreira, como fotojornalista, seja do curioso cineasta, incansavelmente flagrando colaboradores como o roteirista Terry Southern ou o camaleônico Peter Sellers.
Duas sequências celebram uma das admirações maiores de Kubrick: o fotógrafo americano de origem austro-húngara Arthur H. Fellig, mais conhecido como Weegee (1899-1968). De 1965 a 1999, na parte final, foram apenas seis filmes. Cristaliza-se a imagem tornada mítica: um Kubrick barbudo, despojadamente vestido, com um sorriso a desafiar a lenda de seu temperamento difícil. Quase todas as fotos mostram-no em cenários ou locações, como se Kubrick não vivesse fora dali. Parece justo: imprima-se a lenda, se é mais verdadeira que a verdade.


Stanley Kubrick - A Life in Pictures
    

Autora: Christiane Kubrick
Editora: Little, Brown and Company
Quanto: cerca de R$ 145 (192 págs.)
Onde encomendar: www.amazon.com



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