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Mostra de dramaturgia ultrapassa divisas, com textos do Nordeste, Uruguai e Portugal
Drama fora do eixo
VALMIR SANTOS
DA REPORTAGEM LOCAL
Cerca de três anos atrás, após a
temporada de "Jardim das Cerejeiras", o ator Renato Borghi sentou-se em sua casa, numa cadeira
cenográfica da dona da fazenda
na peça que acabara de dirigir, estrelada por Tônia Carrero, e perguntou aos seus botões: "E agora,
o que vou fazer? Estou farto dos
clássicos".
Nada pessoal contra os clássicos, tampouco contra o dramaturgo russo Anton Tchecov
(1860-1904), de quem montou
duas peças dos anos 90 para cá,
mas "sentia necessidade de textos
mais relativos ao Brasil".
Ligou para um, para outro, e assim nasceu a Mostra de Dramaturgia Contemporânea, que ganha segunda edição a partir de
amanhã, no Teatro Popular do
Sesi, em mais uma realização do
Serviço Social da Indústria (investimento de R$ 550 mil).
Dois aspectos ganham relevo se
comparados à primeira edição,
no ano passado, que montou 15
autores da cena paulista contemporânea, uma safra de estilos diversos, porém entremeada por
temas urbanos. Agora, o drama
sai do eixo e atravessa divisas,
fronteiras, alcançando o Nordeste, mais Portugal e Uruguai.
A outra mudança significativa
diz respeito à cenografia, traduzida em três instalações pela diretora de arte Daniela Thomas, cada
uma delas destinada a duas encenações (leia texto nesta página).
Borghi, 66, afirma que recebeu
cerca de 180 textos, dos quais 110
foram pinçados pela consultoria
da pesquisadora Silvana Garcia e
do dramaturgo Aimar Labaki.
"Fizemos a leitura média de 15
peças por semana. Depois de
muitas discussões, restaram as
que foram mais ou menos unânimes. Um dos critérios foi o de excelência, o que não aconteceu em
2002", diz Borghi, que fez curadoria ao lado dos atores-idealizadores Débora Duboc, Elcio Nogueira Seixas e Luah Guimarãez.
O elenco do grupo Teatro Promíscuo incorpora mais quatro
nomes para revezar os papéis:
Ariel Borghi, Regina Franca, Renato Modesto e Valéria Pontes.
A mostra abre com as peças "Alta Noite", do baiano Elisio Lopes
Jr. (texto que participou neste ano
do ciclo "Leituras de Teatro" da
Folha), sob direção de Francisco
Medeiros, e "El Muro de Berlim
Nunca Existió", do uruguaio Luis
Vidal Giorgi, por Fernando Kinas.
Ficam duas semanas em cartaz
e, na sequência, vêm os textos do
cearense Marcos Barbosa ("Braseiro"), do pernambucano Luiz
Felipe Botelho ("Coiteiros de Paixões"), do português José Mora
Ramos ("Enfim, Felicidades!") e
do paulista Cássio Pires ("Mal Necessário"). Em comum, as seis peças tratam de seres isolados,
"apartados do resto do mundo",
num "tempo paralelo".
Em "Alta Noite", Lopes Jr., 27,
promove encontro de um homem
e uma mulher, Mag (Guimarãez)
e Jarbas (Modesto). Eles estão numa esquina qualquer de uma
grande cidade, na última noite do
ano. Nunca se viram, não devem
nada um ao outro, mas travam
um diálogo passional, tenso, que
expõe a tentativa de romper com
a solidão em busca de alguém que
não vem.
"É a ironia dos encontros e desencontros do destino. Amar
sempre a pessoa errada, o momento equivocado, erros de um
tempo que insiste em não parar",
afirma o autor.
A imagem absurda de um astronauta russo que está em órbita enquanto seu país sofre mudanças
geopolíticas radicais que o obrigam a dar mais voltas em torno da
Terra, sozinho, inspira o uruguaio
Giorgi, 48, em "El Muro de Berlim
Nunca Existió".
"Fui somando histórias de personagens reais aos quais a crise do
chamado socialismo real atravancou seus projetos de vida", diz o
autor. Desfilam tipos como um
ex-espião agora reconciliado, um
anão de um circo moscovita também dissolvido e um professor
húngaro que ensina russo e está
desempregado. Borghi, Seixas,
Guimarãez e Duboc revezam os
vários papéis. Giorgi também incorpora personagens ficcionais
de Tchecov e do poeta russo
Maiakóvski.
"São pequenas histórias de vidas transtornadas, de sonhos não
cumpridos; vidas retratadas pelos
anti-heróis de sempre, com ironia
e ternura doloridas", diz Giorgi,
que sempre dirigiu seus próprios
textos e, pela primeira vez, será
encenado por um terceiro, no caso, Kinas.
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