UOL


São Paulo, terça-feira, 11 de novembro de 2003

Texto Anterior | Próximo Texto | Índice

Mostra de dramaturgia ultrapassa divisas, com textos do Nordeste, Uruguai e Portugal

Drama fora do eixo

VALMIR SANTOS
DA REPORTAGEM LOCAL

Cerca de três anos atrás, após a temporada de "Jardim das Cerejeiras", o ator Renato Borghi sentou-se em sua casa, numa cadeira cenográfica da dona da fazenda na peça que acabara de dirigir, estrelada por Tônia Carrero, e perguntou aos seus botões: "E agora, o que vou fazer? Estou farto dos clássicos".
Nada pessoal contra os clássicos, tampouco contra o dramaturgo russo Anton Tchecov (1860-1904), de quem montou duas peças dos anos 90 para cá, mas "sentia necessidade de textos mais relativos ao Brasil".
Ligou para um, para outro, e assim nasceu a Mostra de Dramaturgia Contemporânea, que ganha segunda edição a partir de amanhã, no Teatro Popular do Sesi, em mais uma realização do Serviço Social da Indústria (investimento de R$ 550 mil).
Dois aspectos ganham relevo se comparados à primeira edição, no ano passado, que montou 15 autores da cena paulista contemporânea, uma safra de estilos diversos, porém entremeada por temas urbanos. Agora, o drama sai do eixo e atravessa divisas, fronteiras, alcançando o Nordeste, mais Portugal e Uruguai.
A outra mudança significativa diz respeito à cenografia, traduzida em três instalações pela diretora de arte Daniela Thomas, cada uma delas destinada a duas encenações (leia texto nesta página).
Borghi, 66, afirma que recebeu cerca de 180 textos, dos quais 110 foram pinçados pela consultoria da pesquisadora Silvana Garcia e do dramaturgo Aimar Labaki.
"Fizemos a leitura média de 15 peças por semana. Depois de muitas discussões, restaram as que foram mais ou menos unânimes. Um dos critérios foi o de excelência, o que não aconteceu em 2002", diz Borghi, que fez curadoria ao lado dos atores-idealizadores Débora Duboc, Elcio Nogueira Seixas e Luah Guimarãez.
O elenco do grupo Teatro Promíscuo incorpora mais quatro nomes para revezar os papéis: Ariel Borghi, Regina Franca, Renato Modesto e Valéria Pontes.
A mostra abre com as peças "Alta Noite", do baiano Elisio Lopes Jr. (texto que participou neste ano do ciclo "Leituras de Teatro" da Folha), sob direção de Francisco Medeiros, e "El Muro de Berlim Nunca Existió", do uruguaio Luis Vidal Giorgi, por Fernando Kinas.
Ficam duas semanas em cartaz e, na sequência, vêm os textos do cearense Marcos Barbosa ("Braseiro"), do pernambucano Luiz Felipe Botelho ("Coiteiros de Paixões"), do português José Mora Ramos ("Enfim, Felicidades!") e do paulista Cássio Pires ("Mal Necessário"). Em comum, as seis peças tratam de seres isolados, "apartados do resto do mundo", num "tempo paralelo".
Em "Alta Noite", Lopes Jr., 27, promove encontro de um homem e uma mulher, Mag (Guimarãez) e Jarbas (Modesto). Eles estão numa esquina qualquer de uma grande cidade, na última noite do ano. Nunca se viram, não devem nada um ao outro, mas travam um diálogo passional, tenso, que expõe a tentativa de romper com a solidão em busca de alguém que não vem.
"É a ironia dos encontros e desencontros do destino. Amar sempre a pessoa errada, o momento equivocado, erros de um tempo que insiste em não parar", afirma o autor.
A imagem absurda de um astronauta russo que está em órbita enquanto seu país sofre mudanças geopolíticas radicais que o obrigam a dar mais voltas em torno da Terra, sozinho, inspira o uruguaio Giorgi, 48, em "El Muro de Berlim Nunca Existió".
"Fui somando histórias de personagens reais aos quais a crise do chamado socialismo real atravancou seus projetos de vida", diz o autor. Desfilam tipos como um ex-espião agora reconciliado, um anão de um circo moscovita também dissolvido e um professor húngaro que ensina russo e está desempregado. Borghi, Seixas, Guimarãez e Duboc revezam os vários papéis. Giorgi também incorpora personagens ficcionais de Tchecov e do poeta russo Maiakóvski.
"São pequenas histórias de vidas transtornadas, de sonhos não cumpridos; vidas retratadas pelos anti-heróis de sempre, com ironia e ternura doloridas", diz Giorgi, que sempre dirigiu seus próprios textos e, pela primeira vez, será encenado por um terceiro, no caso, Kinas.


Texto Anterior: Programação de TV
Próximo Texto: Daniela Thomas cria instalações-cenários
Índice


UOL
Copyright Empresa Folha da Manhã S/A. Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução do conteúdo desta página em qualquer meio de comunicação, eletrônico ou impresso, sem autorização escrita da Folhapress.