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LIVROS/LANÇAMENTOS
Roberto Pompeu de Toledo narra história da cidade até 1900, quando era isolada e desimportante
Solidão define 370 primeiros anos de SP
FÁBIO VICTOR
DA REPORTAGEM LOCAL
Esqueça a locomotiva do país, o
frenesi, as multidões e todos os
superlativos que acompanham
São Paulo às portas dos seus 450
anos. A cidade descortinada por
"A Capital da Solidão", do jornalista Roberto Pompeu de Toledo,
lançado nesta semana pela Objetiva, é acanhada, isolada, insignificante no contexto nacional.
Numa narrativa fluida e avessa
ao academicismo, o livro conta a
história da paulicéia desde a Operação Rio da Prata, em 1530, que
levaria Martim Afonso a São Vicente, até 1900, quando a chegada
dos bondes elétricos e dos primeiros carros fascinava a cidade.
A tese do título -que para alguns faz sentido ainda hoje, debate no qual o autor não se arrisca a
entrar- é sustentada por argumentos econômicos, políticos e
geográficos, estes talvez os mais
significativos, porque ajudam a
explicar os outros.
A começar da desvantajosa distância de São Paulo para o litoral,
70 km, obstáculo não enfrentado
por Rio, Salvador e Recife, as potências dos primeiros séculos onde estavam os entrepostos portugueses. Some-se a isso a serra do
Mar, barreira sobre o topo da qual
está encravada a cidade e que, nos
primórdios, dificultou o acesso
até ela, e se encontrará um lugar
desolador.
A São Paulo recém-fundada era
uma vila soturna e melancólica. O
toque de recolher, anunciado pelo
sino da igreja do Colégio, obrigava todos a dormir cedo -às 20h,
no inverno, e às 21h, no verão.
"Para recriar na imaginação a
vida de São Paulo nos primeiros
anos, é preciso incluir a escuridão,
profunda e primitiva, de suas noites. Acrescente-se o silêncio. Talvez seja recomendável adicionar
um pouco de tristeza. Era um burgo solitário, o mais solitário de todos", escreve Pompeu.
O livro, um calhamaço de 560
páginas, é dividido em três partes:
"Começos", "Incertezas" e "Arrancada". A primeira relata como
e por que se fundou São Paulo de
Piratininga, primeiro nome da vila: o desbravamento da serra, a
chegada dos jesuítas, a evangelização dos índios.
"Incertezas", a mais extensa, remonta ao vasto período em que
São Paulo busca desvairadamente
uma vocação, enquanto os bandeirantes exploram os sertões.
Em 1827, o município foi, ao lado
de Olinda, um dos dois escolhidos
para receber uma faculdade de direito. Era, segundo Pompeu, a senha para o desenvolvimento. A
São Paulo atormentada por uma
crise de identidade ganha uma
vocação, a de cidade estudantil.
A "Arrancada" começa na década de 60 do século 19 e é marcada
pela chegada do café ao Oeste
paulista. Nos 40 anos que se seguem, impulsionada pelo "ouro
negro", a cidade experimenta
uma prosperidade jamais vista.
A metamorfose por que passa a
cidade também se dá com sua
gente. Dominada por mamelucos, a São Paulo dos primórdios
era, na visão de Pompeu, "a mais
brasileira das cidades".
Um censo do final do século 19
revelou que ali começara a construção da mais internacional das
capitais do país: havia então na cidade mais estrangeiros (54,6%)
que brasileiros (45,4%).
Os italianos predominavam entre os forasteiros, correspondendo a 35% da população total.
Foi nessa época, precisamente
em agosto de 1896, que se deu um
dos mais curiosos relatos do livro,
as batalhas campais travadas nas
ruas de São Paulo entre brasileiros e italianos, com mortos e feridos. A "Questão dos Protocolos"
começou quando o governo italiano cobrou do brasileiro indenizações por danos supostamente
causados a imigrantes do país.
O Brasil topou pagar, e a revolta
estourou, puxada por universitários. Num dos incidentes, uma
garota gritava vivas ao Brasil na
Luz, quando um grupo de estudantes se aproximou para festejá-la. Era um italiano disfarçado, que
sacou um punhal e feriu três.
Nos 370 anos abordados pelo
autor, desfilam dezenas de personagens encantadores, muitos dos
quais de projeção histórica inferior às suas biografias. É o caso de
Luiz Gama (1830-1882). Vendido
como escravo aos dez anos, transformou-se num poeta de pena
mordaz e num atuante advogado
abolicionista, o maior líder da
causa em São Paulo.
Ou do azarado e burlesco Pedro
Taques de Almeida Pais Leme
(1714-1777), historiador que traçou extensiva genealogia das famílias paulistas enquanto a sua
era atormentada por mortes trágicas e infortúnios tantos.
De quebra, "A Capital da Solidão" derruba mitos como o de
que a data de fundação da cidade,
25 de janeiro de 1554, deve-se à celebração da primeira missa da vila, onde hoje está o Pátio do Colégio -antes disso Leonardo Nunes e Manuel da Nóbrega já haviam celebrado missas por lá.
A obra consumiu quatro anos
de trabalho de Pompeu, editor especial da revista "Veja". Antes de
começar a empreitada, ele havia
lido não mais que quatro livros
sobre a história de São Paulo. Para
concluir o trabalho, acrescentou à
lista outros 127 volumes. E estima
que, se fosse estender seu relato
até os dias atuais, levaria mais
quatro anos. Diz que não o fará.
A CAPITAL DA SOLIDÃO. De: Roberto
Pompeu de Toledo. Editora: Objetiva.
Quanto: R$ 62,90 (560 págs.).
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