São Paulo, quarta, 11 de novembro de 1998

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MÚSICA
MPB bebe drum'n'bass na estréia de Otto

PEDRO ALEXANDRE SANCHES
da Reportagem Local

Em tempo de retração na indústria fonográfica, novidade e investimento em artistas desconhecidos tornam-se palavrões -mas no meio do nevoeiro há ovelhas desgarradas. O CD de estréia "Samba pra Burro", do percussionista, compositor e cantor pernambucano Otto, 30, primeiro lançamento da também estreante gravadora Trama, é a exceção à regra de 1998.
Nascido em Caruaru, registrado em Belo Jardim, crescido em Recife e espalhado por Paris, Rio de Janeiro e São Paulo, Otto é ovelha desgarrada por natureza. Sua origem musical é o Mundo Livre S/A (uma das duas bandas fundadoras do movimento mangue beat), de que se separou há dois anos.
"Eu tinha muita coisa para fazer. Gosto de escrever, e o Fred (Zero Quatro, líder do Mundo Livre) é um grande poeta. Havia um bloqueio para mim na banda", conta, justificando o pulo para a carreira solo. Essa começou caseira, em gravações independentes bancadas por sua mãe. "Mãe é fogo, acredita até nesse vagabundo que o Brasil criou", agradece.
Embora invista agora em experimentos eletrônicos tipo drum'n' bass -afinal, a percussão é seu "habitat" natural-, Otto admite-se como produto do movimento mangue, dos "caranguejos" de pés atolados na lama e antenas conectadas ao resto do universo.
"Acho que meu trabalho tem a ver com o mangue, sim. Foi tão bom e importante para aquela terra e ficou importante também para o Brasil. Resgatou coisas que estavam esquecidas no país, me orgulho de fazer parte disso."
² MPB, eletrônica
Para cá do drum'n'bass, é nos elementos brasileiros que Otto diz apostar. "Fiz esse disco dentro de minha discografia brasileira. Tirando as máquinas, é todo brasileiro. É Martinho da Vila, Luiz Gonzaga, Jackson do Pandeiro, Noel Rosa. Não tenho muita referência do alternativo "made in USA', "made in England'. Não tenho inglês."
Exemplo de resgate brasileiro ele identifica na faixa "Ciranda de Maluco". "É um frevo, um gênero que ficou distante da música nova. Chico Science passou por cima, Zero Quatro nem fala nisso. Ficou associado ao coronelismo, às fanfarras. Mas eu gosto, é bonito."
Ele provoca: "Axé music para mim é frevo, o baiano foi lá e roubou para a guitarra elétrica. A gente tem de trazer de volta, acelerar o carro e passar o do baiano".
Frevos e cirandas à parte, a eletrônica está presente aqui como em nenhum outro disco do movimento mangue, não? "É, mas o mundo vai para isso, o Chico Science estava indo para isso. A MPB tem que se dar à eletrônica para a eletrônica se dar a ela."
Vai além: "Se Jackson do Pandeiro e Luiz Gonzaga tivessem a minha idade hoje, estariam fazendo música eletrônica. Jackson sampleou os sapos na "Cantiga do Sapo', com a própria voz".
E há ainda bossa nova em "Samba pra Burro". Em "Bob", que abre e fecha o CD, Bebel Gilberto (filha de João Gilberto) brinca com os dogmas do movimento, numa letra que evoca standards como "Ela É Carioca".
Conta de uma garota "do tempo do bob", "lá do Pina de Copacabana" (???). Otto esclarece os enigmas: inspirou-se por uma moça de "bobs" no cabelo que viu na praia do Leme, a "ponta" de Copacabana -como em Recife a praia do Pina (um reduto do mangue beat) é para a da Boa Viagem.
"É uma dica para o Recife. A gente não precisa ter grana, só um bom papo, uma pessoa legal, uma água de coco." E como ele faz isso morando em São Paulo? "Agora estou engrenando, sou business."



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