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MÚSICA
MPB bebe drum'n'bass na estréia de Otto
PEDRO ALEXANDRE SANCHES
da Reportagem Local
Em tempo de retração na indústria fonográfica, novidade e investimento em artistas desconhecidos
tornam-se palavrões -mas no
meio do nevoeiro há ovelhas desgarradas. O CD de estréia "Samba
pra Burro", do percussionista,
compositor e cantor pernambucano Otto, 30, primeiro lançamento
da também estreante gravadora
Trama, é a exceção à regra de 1998.
Nascido em Caruaru, registrado
em Belo Jardim, crescido em Recife e espalhado por Paris, Rio de Janeiro e São Paulo, Otto é ovelha
desgarrada por natureza. Sua origem musical é o Mundo Livre S/A
(uma das duas bandas fundadoras
do movimento mangue beat), de
que se separou há dois anos.
"Eu tinha muita coisa para fazer.
Gosto de escrever, e o Fred (Zero
Quatro, líder do Mundo Livre) é
um grande poeta. Havia um bloqueio para mim na banda", conta,
justificando o pulo para a carreira
solo. Essa começou caseira, em
gravações independentes bancadas por sua mãe. "Mãe é fogo, acredita até nesse vagabundo que o
Brasil criou", agradece.
Embora invista agora em experimentos eletrônicos tipo drum'n'
bass -afinal, a percussão é seu
"habitat" natural-, Otto admite-se como produto do movimento
mangue, dos "caranguejos" de pés
atolados na lama e antenas conectadas ao resto do universo.
"Acho que meu trabalho tem a
ver com o mangue, sim. Foi tão
bom e importante para aquela terra e ficou importante também para
o Brasil. Resgatou coisas que estavam esquecidas no país, me orgulho de fazer parte disso."
²
MPB, eletrônica
Para cá do drum'n'bass, é nos
elementos brasileiros que Otto diz
apostar. "Fiz esse disco dentro de
minha discografia brasileira. Tirando as máquinas, é todo brasileiro. É Martinho da Vila, Luiz Gonzaga, Jackson do Pandeiro, Noel
Rosa. Não tenho muita referência
do alternativo "made in USA', "made in England'. Não tenho inglês."
Exemplo de resgate brasileiro ele
identifica na faixa "Ciranda de Maluco". "É um frevo, um gênero que
ficou distante da música nova.
Chico Science passou por cima,
Zero Quatro nem fala nisso. Ficou
associado ao coronelismo, às fanfarras. Mas eu gosto, é bonito."
Ele provoca: "Axé music para
mim é frevo, o baiano foi lá e roubou para a guitarra elétrica. A gente tem de trazer de volta, acelerar o
carro e passar o do baiano".
Frevos e cirandas à parte, a eletrônica está presente aqui como
em nenhum outro disco do movimento mangue, não? "É, mas o
mundo vai para isso, o Chico
Science estava indo para isso. A
MPB tem que se dar à eletrônica
para a eletrônica se dar a ela."
Vai além: "Se Jackson do Pandeiro e Luiz Gonzaga tivessem a minha idade hoje, estariam fazendo
música eletrônica. Jackson sampleou os sapos na "Cantiga do Sapo', com a própria voz".
E há ainda bossa nova em "Samba pra Burro". Em "Bob", que abre
e fecha o CD, Bebel Gilberto (filha
de João Gilberto) brinca com os
dogmas do movimento, numa letra que evoca standards como "Ela
É Carioca".
Conta de uma garota "do tempo
do bob", "lá do Pina de Copacabana" (???). Otto esclarece os enigmas: inspirou-se por uma moça de
"bobs" no cabelo que viu na praia
do Leme, a "ponta" de Copacabana -como em Recife a praia do Pina (um reduto do mangue beat) é
para a da Boa Viagem.
"É uma dica para o Recife. A gente não precisa ter grana, só um
bom papo, uma pessoa legal, uma
água de coco." E como ele faz isso
morando em São Paulo? "Agora
estou engrenando, sou business."
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