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CRÍTICA
Há ciranda e eletrônica no céu nacional de 1998
da Reportagem Local
Talvez nem seja proposital, mas
"Samba pra Burro" é um disco de
desconstrução. Tal impressão é especialmente evidente na canção
que abre e encerra o CD, "Bob".
A estrutura é de uma bossinha
inofensiva, tipo "Ela É Carioca",
"Garota de Ipanema". Mas Bebel
Gilberto, nascida no olho do furacão do movimento bossa, de pai
ninguém menos que João Gilberto,
desmonta em dez minutos de vocais alucinados preceitos sedimentados ao longo de 40 anos.
O que dá para entender, quando
Bebel repete e repete, feito louca, a
palavra "Copacabana", é que esse
papo de bossa, barco, pato, praia e
peixe já deu o que tinha que dar.
No fundo está o drum'n' bass, que,
certo, também é filho da bossa,
mas nem por isso é preciso que se
tenha voz mansa, violão sincopado
e joelho para ser alguém na selva
da MPB.
Por isso o CD é ainda mais ousado no que diz respeito ao mangue
beat, movimento no qual Otto foi
fermentado. Aqui, o mangue também está desconstruído.
Pois o drum'n'bass -que, no
fundo, é a percussão atávica de Otto manipulada pelas mãos maliciosas do produtor Apollo 9- toma conta do CD, isolando e ocultando mais elementos de MPB.
Assim, é difícil de cara perceber
que "Ciranda de Maluco" é um frevo muito do matreiro, que "O Celular de Naná" é uma emocionante
balada ritual brasileira, que "Café
Preto" é samba de malandro.
Fica meio obscurecido também
um dom social que é caro ao mangue e à MPB, presente em "TV a
Cabo", crítica ao "parabolismo"
indiscriminado ("acabo de comprar uma TV a cabo/ acabo de entrar na solidão a cabo").
Resulta CD iconoclasta, de ruptura com várias instâncias de passado. Mas uma ressalva deve ser
feita à não pouca ousadia em obra
tão jovem: tecnicamente, tanto
rompimento pode se dar à custa de
forte interferência de produção.
Talvez Otto por ele mesmo não
estivesse tão ressecado atrás da
muralha interventora do
drum'n'bass. Isso -como seu discurso caótico- é coisa a ser modulada e amaciada nos próximos
trabalhos. Mas, enfim, um disco de
estréia ousado veio à luz no triste
ano brasileiro de 1998. Os obscurantistas vão dizer que não é para
tocar em rádio -pobres obscurantistas. Pois há frevo, ciranda e
eletrônica no céu nacional.
(PAS)
²
Disco: Samba pra Burro
Artista: Otto
Lançamento: Trama
Quanto: R$ 18, em média
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