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ARTES PLÁSTICAS
Fotógrafo brasileiro é um dos selecionados para a edição 2000 da Bienal do Whitney Museum
Vik Muniz quer fazer "feijoada visual"
SHEILA GRECCO
em Paris
O fotógrafo brasileiro Vik Muniz, 37, tem muito o que comemorar. Depois de participar de
uma das mais importantes feiras
internacionais de fotografia da
Europa, o Paris Photo, e emplacar
três mostras individuais simultâneas em Paris, ele acaba de ser escolhido para participar da Bienal
do Whitney Museum 2000.
A Bienal abre no dia 23 de março e tem número recorde de participantes: são 97 selecionados (veja lista da categoria principal no
quadro abaixo). Os artistas selecionados refletem o que de melhor se produziu em termos de arte pós-moderna nos últimos dois
anos, incluindo trabalhos de foto,
vídeo e Internet.
Entre os selecionados, 21 artistas são estrangeiros, embora a
maioria resida nos EUA. "O resultado mostra como esta é uma das
Bienais menos direcionadas por
galeristas de Nova York", diz Michael Auping, um dos curadores.
Vik Muniz ficou conhecido por
utilizar suportes inéditos em fotografias, como chocolate, açúcar,
terra, lixo ou arames. "Minha intenção é mesmo a de criar uma
feijoada visual, criar imagens bem
indigestas, que provoquem reflexão", disse à Folha.
Em entrevista exclusiva, em Paris, onde mora atualmente em
função das suas exposições em
cartaz até janeiro, Muniz comentou a repercussão de seu trabalho
e os rumos da fotografia.
Folha - Você tem exposições
individuais em Paris e vai participar de uma das bienais mais
importantes do circuito artístico, mas é ainda um ilustre desconhecido no Brasil. Por quê?
Vik Muniz- Eu tenho trabalhado
em muitos projetos no Brasil, mas
nenhum como as exposições
grandes e individuais que estou
tendo aqui em Paris, no Centro
Nacional de Fotografia, ou como
a que terei no próximo ano nos
Estados Unidos.
Tornei-me mais popular no
Brasil depois da participação na
Bienal de São Paulo. O Brasil tem
grandes fotógrafos como Sebastião Salgado, Mário Cravo Neto e
Miguel Rio Branco, que transitam
entre as artes plásticas e o jornalismo. Eu trabalho exclusivamente com a idéia de representação da
imagem fotográfica, o que é algo
recente dentro do circuito de galerias brasileiras.
Folha - Você acha que o público brasileiro ainda tem uma tendência a reconhecer como fotografia aquilo que é factual?
Muniz- O público
brasileiro tem
uma sofisticação muito
grande em
termos
de fotografia,
porque a
mídia no
Brasil é de
alta qualidade. A mídia nos
EUA me parece
muito mais direta. No
Brasil, não: há um certo esforço
de interpretação, uma certa sofisticação.
Nos anos 70, no auge da ditadura, as pessoas não podiam falar o
que queriam, então existia uma
espécie de mercado negro semiótico, o que deu ao brasileiro uma
certa capacidade de dizer várias
coisas ao mesmo tempo, uma sofisticação visual e linguística.
Na exposição na Galeria Xippas,
escolhi trabalhar com imagens de
Andy Wharol, sobretudo porque
são imagens de Wharol. Você vê
uma Marilyn e diz é um Wharol e
não uma Marilyn.
O meu trabalho como fotógrafo
é exatamente esse, o de retardar a
percepção da imagem fotográfica,
dar a ela uma experiência um
pouco mais lenta que as fotografias que nós vemos, por exemplo,
num livro, cuja percepção é limitada ao tamanho dos braços. Sentir como é a coisa em seus resíduos processuais. Isto é uma educação do olhar.
Folha - O fato de trabalhar
com clichês, imagens já banalizadas, como um prato de macarrão ou uma flor, alerta para
essa educação do olhar?
Muniz - Prefiro trabalhar com
clichês ou com imagens que não
são muito fortes tematicamente,
porque as imagens chocantes não
se fixam na memória. É o caso das
imagens dos jornais, cenas de sexo ou violência.
Nós, consumidores de
imagem
modernos,
temos
uma
capacidade
muito
grande de
consumir
imagens, mas
uma capacidade
muito limitada de lê-las.
Eu quero fazer minhas imagens
bem indigestas, como um "chucrute visual", uma coisa bem pesada, comida alsaciana, ou melhor, o que quero fazer é apenas
uma "feijoada visual", porque é
aquilo que te obriga a descansar
um pouco depois de comer. Aquilo que fica ali indigesto, fazendo
refletir, pensar, até passar. (Ri).
Folha - O fato de ser um brasileiro itinerante, morar no exterior, auxiliou na composição
dessa feijoada cultural?
Muniz - Sem dúvida. O fato de
eu morar nos Estados Unidos e
agora na França, ser brasileiro, ter
trabalhado como garçom, atendente de posto de gasolina, ator,
enfim, todas essas misturas fazem
com que meu trabalho se torne
muito tradicional e quase inovador -como misturar desenho
com fotografia. A mistura de formas reflete também a mistura de
identidades. É como na história
de Borges: "Já não sei mais quem
está narrando".
Folha - Você opta por uma fotografia de estúdio, meio artesanal, mas elaborada tecnologicamente. Essa seria uma tendência da fotografia hoje?
Muniz- O que está acontecendo
com a fotografia é uma coisa maravilhosa e, ao mesmo tempo,
trágica. Converso com fotógrafos
que estão morrendo de medo da
fotografia digital. A coisa mais
maravilhosa que aconteceu para
a fotografia foi a invenção do
computador. Da mesma forma
que a fotografia liberou a pintura
da factualidade no século 19, da
responsabilidade de copiar o
mundo, o computador liberou
essa mesma responsabilidade da
fotografia agora. As fotografias
realmente não provam nada, você tem o poder de manipulação.
É como se o fantasma da pintura viesse depois de 170 anos assustar a fotografia com essa capacidade de fazer pessoas voarem,
essa separação da mente e do fenômeno novamente. O impressionismo nasceu dessa impossibilidade e é uma forma muito
conceitual de trabalhar a imagem, porque coloca o homem
não só em contato com o mundo
visual, mas também com a maneira como ele produz o mundo
visual.
Eu posso fazer uma foto minha
em frente à Torre de Pisa e mandar para a minha mãe e ela vai
acreditar. Essa fotografia já não
prova mais nada.
Folha - Os projetos para o ano
2000 incluem o Brasil?
Muniz - Sim, vou participar de
uma exposição na Camargo Villaça, em maio, durante o Brasil
500 anos. Participo de algumas
exposições itinerantes em museus na Espanha, Japão, Suécia e
América do Sul. Além de coisas
em Paris, São Paulo e Nova York,
que aliás é um triângulo que eu
poderia fazer para o resto da vida.
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