São Paulo, Sábado, 11 de Dezembro de 1999


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ARTES PLÁSTICAS
Fotógrafo brasileiro é um dos selecionados para a edição 2000 da Bienal do Whitney Museum
Vik Muniz quer fazer "feijoada visual"


SHEILA GRECCO
em Paris

O fotógrafo brasileiro Vik Muniz, 37, tem muito o que comemorar. Depois de participar de uma das mais importantes feiras internacionais de fotografia da Europa, o Paris Photo, e emplacar três mostras individuais simultâneas em Paris, ele acaba de ser escolhido para participar da Bienal do Whitney Museum 2000.
A Bienal abre no dia 23 de março e tem número recorde de participantes: são 97 selecionados (veja lista da categoria principal no quadro abaixo). Os artistas selecionados refletem o que de melhor se produziu em termos de arte pós-moderna nos últimos dois anos, incluindo trabalhos de foto, vídeo e Internet.
Entre os selecionados, 21 artistas são estrangeiros, embora a maioria resida nos EUA. "O resultado mostra como esta é uma das Bienais menos direcionadas por galeristas de Nova York", diz Michael Auping, um dos curadores.
Vik Muniz ficou conhecido por utilizar suportes inéditos em fotografias, como chocolate, açúcar, terra, lixo ou arames. "Minha intenção é mesmo a de criar uma feijoada visual, criar imagens bem indigestas, que provoquem reflexão", disse à Folha.
Em entrevista exclusiva, em Paris, onde mora atualmente em função das suas exposições em cartaz até janeiro, Muniz comentou a repercussão de seu trabalho e os rumos da fotografia.

Folha - Você tem exposições individuais em Paris e vai participar de uma das bienais mais importantes do circuito artístico, mas é ainda um ilustre desconhecido no Brasil. Por quê?
Vik Muniz-
Eu tenho trabalhado em muitos projetos no Brasil, mas nenhum como as exposições grandes e individuais que estou tendo aqui em Paris, no Centro Nacional de Fotografia, ou como a que terei no próximo ano nos Estados Unidos.
Tornei-me mais popular no Brasil depois da participação na Bienal de São Paulo. O Brasil tem grandes fotógrafos como Sebastião Salgado, Mário Cravo Neto e Miguel Rio Branco, que transitam entre as artes plásticas e o jornalismo. Eu trabalho exclusivamente com a idéia de representação da imagem fotográfica, o que é algo recente dentro do circuito de galerias brasileiras.

Folha - Você acha que o público brasileiro ainda tem uma tendência a reconhecer como fotografia aquilo que é factual?
Muniz-
O público brasileiro tem uma sofisticação muito grande em termos de fotografia, porque a mídia no Brasil é de alta qualidade. A mídia nos EUA me parece muito mais direta. No Brasil, não: há um certo esforço de interpretação, uma certa sofisticação.
Nos anos 70, no auge da ditadura, as pessoas não podiam falar o que queriam, então existia uma espécie de mercado negro semiótico, o que deu ao brasileiro uma certa capacidade de dizer várias coisas ao mesmo tempo, uma sofisticação visual e linguística.
Na exposição na Galeria Xippas, escolhi trabalhar com imagens de Andy Wharol, sobretudo porque são imagens de Wharol. Você vê uma Marilyn e diz é um Wharol e não uma Marilyn.
O meu trabalho como fotógrafo é exatamente esse, o de retardar a percepção da imagem fotográfica, dar a ela uma experiência um pouco mais lenta que as fotografias que nós vemos, por exemplo, num livro, cuja percepção é limitada ao tamanho dos braços. Sentir como é a coisa em seus resíduos processuais. Isto é uma educação do olhar.

Folha - O fato de trabalhar com clichês, imagens já banalizadas, como um prato de macarrão ou uma flor, alerta para essa educação do olhar?
Muniz -
Prefiro trabalhar com clichês ou com imagens que não são muito fortes tematicamente, porque as imagens chocantes não se fixam na memória. É o caso das imagens dos jornais, cenas de sexo ou violência. Nós, consumidores de imagem modernos, temos uma capacidade muito grande de consumir imagens, mas uma capacidade muito limitada de lê-las.
Eu quero fazer minhas imagens bem indigestas, como um "chucrute visual", uma coisa bem pesada, comida alsaciana, ou melhor, o que quero fazer é apenas uma "feijoada visual", porque é aquilo que te obriga a descansar um pouco depois de comer. Aquilo que fica ali indigesto, fazendo refletir, pensar, até passar. (Ri).

Folha - O fato de ser um brasileiro itinerante, morar no exterior, auxiliou na composição dessa feijoada cultural?
Muniz -
Sem dúvida. O fato de eu morar nos Estados Unidos e agora na França, ser brasileiro, ter trabalhado como garçom, atendente de posto de gasolina, ator, enfim, todas essas misturas fazem com que meu trabalho se torne muito tradicional e quase inovador -como misturar desenho com fotografia. A mistura de formas reflete também a mistura de identidades. É como na história de Borges: "Já não sei mais quem está narrando".

Folha - Você opta por uma fotografia de estúdio, meio artesanal, mas elaborada tecnologicamente. Essa seria uma tendência da fotografia hoje?
Muniz-
O que está acontecendo com a fotografia é uma coisa maravilhosa e, ao mesmo tempo, trágica. Converso com fotógrafos que estão morrendo de medo da fotografia digital. A coisa mais maravilhosa que aconteceu para a fotografia foi a invenção do computador. Da mesma forma que a fotografia liberou a pintura da factualidade no século 19, da responsabilidade de copiar o mundo, o computador liberou essa mesma responsabilidade da fotografia agora. As fotografias realmente não provam nada, você tem o poder de manipulação.
É como se o fantasma da pintura viesse depois de 170 anos assustar a fotografia com essa capacidade de fazer pessoas voarem, essa separação da mente e do fenômeno novamente. O impressionismo nasceu dessa impossibilidade e é uma forma muito conceitual de trabalhar a imagem, porque coloca o homem não só em contato com o mundo visual, mas também com a maneira como ele produz o mundo visual.
Eu posso fazer uma foto minha em frente à Torre de Pisa e mandar para a minha mãe e ela vai acreditar. Essa fotografia já não prova mais nada.

Folha - Os projetos para o ano 2000 incluem o Brasil?
Muniz -
Sim, vou participar de uma exposição na Camargo Villaça, em maio, durante o Brasil 500 anos. Participo de algumas exposições itinerantes em museus na Espanha, Japão, Suécia e América do Sul. Além de coisas em Paris, São Paulo e Nova York, que aliás é um triângulo que eu poderia fazer para o resto da vida.


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