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MÚSICA
Caixa com sete CDs, que acaba de ser lançada, reúne 12 discos gravados pelo compositor baiano de 86 anos
Sou a própria espontaneidade, diz Caymmi
Zulmair Rocha/Folha Imagem
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O cantor baiano Dorival Caymmi deitado no sofá, durante entrevista realizada no Rio de Janeiro, na última sexta-feira; ao fundo, imagem de autoria do compositor, que também dedica-se à pintura |
SYLVIA COLOMBO
ENVIADA ESPECIAL AO RIO
De braço dado com a neta Stella, Dorival Caymmi, 86, chega para ser entrevistado por um grupo
de jornalistas no estúdio de sua
gravadora, no Rio. Com passos
lentos e curtos, ele sobe no palanque, experimenta o sofá vermelho
que lhe é reservado para a ocasião
e começa a observar com atenção
os quatro cantos da sala.
Enquanto seu olhar passeia pelo
ambiente, alguém coloca a faixa
"Canoeiro" para tocar ao fundo.
Caymmi balança a cabeça no ritmo e começa a acompanhar baixinho: "Ô canoeiro bota a rede/
bota a rede no mar/ ô canoeiro
bota a rede no mar". Sorri.
Minutos depois, perguntam se
ele não costuma esquecer suas
músicas mais antigas, gravadas há
quase 50 anos. "É natural que o
autor identifique sua música sempre. Seja por um trecho ou pelo título, ainda que este tenha sido
mudado. Eu não esqueço as minhas canções", diz o cantor e
compositor baiano.
E é para que seus fãs também
não esqueçam sua obra que
Caymmi lança "Caymmi Amor e
Mar", caixa com sete CDs que está
chegando às lojas. Os seis primeiros discos da coleção reúnem o
repertório de 12 discos originais
gravados pela EMI. O último CD
da série é uma coletânea, em que
diversos cantores interpretam peças do compositor, entre eles Carmem Miranda, Clara Nunes, Clementina de Jesus, João Donato,
Elza Soares e outros. A coleção
traz também oito faixas-bônus.
O conjunto permite ver como
Caymmi fez da canção um instrumento para exprimir suas impressões do mundo, revelando as
cores e as cenas que ele tanto observou nas ruas e paisagens da Bahia. A obra de Caymmi, além da
inegável importância na história
da MPB, é um verdadeiro tratado
sobre os tipos humanos da Bahia
urbana -acompanhados do som
dos gritos de vendedores de doces, abará e acarajé e da zoeira das
crianças-, o som do mar e do
vento, as paisagens de sua terra.
"Sempre fui um grande observador, calado, das coisas que
aconteciam à minha volta. Sempre pensando poeticamente sobre
como poderia tirar alguma coisa
dali", diz, olhando para o alto.
O compositor falou sobre seu
aprendizado e as influências, ou
não-influências, que recebeu no
início da carreira. "Não havia indústria do disco, dos artistas, na
cidade em que eu vivia. Então,
quem fazia música na Bahia ia pela serenata, pelas cançonetas inspiradas pelo teatro musicado.
Não havia a influência de um artista específico. Aprendi música
do jeito folclórico, com as coisas
da minha terra."
E de onde vinha essa música?
"Estava na rua. Nascia na escola,
quando escrevíamos versinhos
nas margens do caderno, lembrávamos de canções que ouvíamos
no rádio. Era o prazer do jovem."
Cheio de nostalgia, Caymmi diz
que já não reconhece a "sua Bahia". "Perdemos a música de rua.
E agora há muito barulho de motores e outras coisas. Mas é o progresso, deixa andar."
Refúgio
Para se afastar desse ambiente
barulhento e conturbado das cidades, Caymmi tem se refugiado
cada vez mais no sítio em São Pedro do Piqueri, em Minas Gerais.
Ironicamente, longe do mar.
Caymmi não está compondo,
pelo menos não de forma metódica, mas pode acontecer de uma
hora para outra. Explica: "Componho quando ocorre uma "coisa"
poética na minha cabeça. Não
tem acontecido com frequência".
Mas ele não se preocupa: "Deixa
nascer quando quer, esteve acontecendo até agora, vai acontecer".
Nem tem pressa: "Eu sou a própria espontaneidade", conclui.
Caymmi lembra que, no passado, também buscava inspiração
em passeios de bonde. "Um dia,
olhei para o meu lado e vi o Carlos
Drummond de Andrade."
Neste quase meio século de carreira, Caymmi assistiu a transformação da Bahia, do Rio e da forma de fazer música no Brasil.
"Quando apareceu o long play
achei bonito, queria gravar aquilo, com muitas músicas. Depois, a
fita cassete também foi uma emoção. Mas beleza é o que se vê hoje
em dia. Mas aí eu não estou entendendo nada, estou só embevecido com essas mudanças tecnológicas. Daquelas de que participei, me senti honrado."
Caymmi pára e toma um pouco
de guaraná. "Estou fazendo tudo
direitinho? A voz não está muito
boa hoje, não é? Estou falando direito?", pergunta aos jornalistas.
Depois prossegue. Aos insistentes questionamentos sobre sua célebre preguiça, Dorival responde
que não é preguiçoso, e sim "contemplativo". "Quando estou quieto, encostado, ou de pé, olhando,
algo está acontecendo". E olha
misteriosamente para o alto, como a ocultar um segredo.
Mas, e sobre a caixa de CDs, não
vai comentar nada? Caymmi respondeu logo no início da entrevista: "Ainda não ouvi, não dá para emitir uma opinião agora. Espera eu escutar, depois eu falo",
com toda a calma que se pode esperar de um homem chamado
Dorival Caymmi.
A jornalista Sylvia Colombo viajou a
convite da EMI
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