São Paulo, terça-feira, 11 de dezembro de 2001

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Nuno Ramos se lança em projetos de arte pública, na qual vê antídoto para elitismo

O pecado de fazer

Luiz Carlos Murauskas/Folha Imagem
Nuno Ramos ao lado de obra que será instalada permanentemente na Sala São Paulo


RODRIGO MOURA
DA REDAÇÃO

O desafio é antigo, mas os objetivos são, como sempre, novos. Mais uma vez, Nuno Ramos, 41, aponta o desenvolvimento de seu trabalho para novas direções.
O artista plástico, um dos principais expoentes da retomada dos suportes no contexto da arte brasileira dos anos 80, já desdobrou sua pesquisa inicial em pintura para escultura, desenho, instalações e land art. Fez duas incursões pela prosa de ficção e arrisca até o cinema, num filme sobre Nelson Cavaquinho em conclusão.
Mas, desta vez, os esforços do artista, que se autodenomina "um fazedor", apontam para uma tendência cada vez mais valorizada pela crítica como alternativa à condição elitista da produção artística brasileira: a arte pública.
"Uma obra não precisa estar ambientada no Ibirapuera -ela pode estar realmente num lugar inóspito, pouco cultivado do ponto de vista estético. Esse é um jogo rico e pouco usado", diz, desdobrando a questão do que "realmente" pode ser público.
São dois seus mais atuais projetos na área. Um deles, o "Parque das Empenas", já está com o local destinado pelo município de Barra Mansa (RJ). Trata-se de uma área pertencente a uma fazenda, cedida ao artista em regime de comodato pela prefeitura -uma área com extensão de cerca de 500 m, às margens da via Dutra.
Ramos se valeu das construções de colonos encontradas no local, cinco casinhas espalhadas, nas quais vai interferir com empenas em aço, vidro, taipa e concreto.
Empenas, segundo o "Aurélio", são "qualquer parede lateral de uma casa, em especial a que se encontra na divisa do terreno". As de Nuno Ramos, enormes, terão inserção direta no meio das casas.
A idéia, já detalhada em um projeto, é construir um parque de visitação aberta, onde o visitante possa parar em meio à viagem e percorrer, a pé, os caminhos entre as cinco construções, que poderão ser vistas também da estrada.
"Como vai ter o mesmo elemento em todas as casas, o espaço inteiro vai estar dentro das peças. De certa forma, o trabalho monumentaliza um elemento pequenininho, quase como se fizesse o elogio daquelas casinhas que ficam perdidas. Depois, acho que há uma desmesura entre esse elemento agressivo e as casinhas, que viram um suporte meio ridículo", define, sobre o que lhe parecem as linhas gerais do projeto -antes de tudo um desafio à capacidade de lidar com a escala.
O projeto ganhou o apoio de um colecionador local, responsável pelo intermédio entre artista e poder público municipal, e atualmente está em fase de captação de recursos junto a empresas. Orçamento, nada modesto: R$ 500 mil.
Outro projeto: a construção, em Porto Alegre, de uma réplica reduzida de uma igreja, dentro da própria igreja que serve de modelo. A construção está em uma parte da cidade sobre a qual passará uma estrada que vai ser destruída. O projeto foi pensado para a Bienal do Mercosul, mas não pôde ser realizado por falta de recursos, bem mais modestos: R$ 40 mil.
Ainda que exemplo bem mais tímido de arte pública, o artista vai instalar, em janeiro, uma pintura sua de 10 m x 4 m, em caráter permanente, na Sala São Paulo.
Lidar com projetos que envolvam arquitetônica complexa e, portanto, esforços de engenharia cria uma situação que redunda em entraves materiais e, às vezes, culturais e mesmo políticos.
A última hipótese foi experimentada pelo artista com "Matacão" (96), pedras incrustadas em valas, uma obra realizada com apoio do município de Orlândia (SP), mas que sofreu deterioração graças ao abandono imposto pela nova administração, opositora à que fomentou o projeto.
"O problema é que a peça não entrou na vida da cidade, está enterrada, como um cadáver. Mas o pouco que entrou foi interessante, saiu artigo em jornal. Acho razoável uma pessoa não gostar daquilo; achar que é dinheiro jogado fora tem meu aplauso. Tenho raiva do modo como a recepção da arte se dá, é muito neutra. As pessoas de uma certa faixa social têm uma relação com a arte necessariamente aceitante", teoriza, sobre a necessidade de levar seu trabalho para situações "instáveis".
Seja como for e ao contrário de muitos minimalistas e conceitualistas, a idéia de que o projeto de tais obras seja visto como uma obra autônoma não encanta Nuno Ramos. "Se não redundar em realizações, para mim é muito frustrante. Sei que não vou emplacar todos, mas quero emplacar. Fazer é o grande pecado."


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