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Sucesso de audiência de "Casa dos Artistas" provoca debate sobre teledramaturgia
A criação do real
LAURA MATTOS
DA REPORTAGEM LOCAL
A cinco dias de chegar ao final, o
"reality show" "Casa dos Artistas"
(SBT), programa de TV mais polêmico do ano, começa a se tornar
um assunto importante para acadêmicos da comunicação.
Além da já batida discussão sobre o voyerismo na televisão, que
entrou nas rodas intelectuais há
mais de um ano com a primeira
versão de "No Limite", da Globo,
a atração do SBT traz um novo
debate: como a edição consegue
transformar 24 horas por dia de
captação de imagens "reais" em
um verdadeiro enredo de novela.
É essa criação da narrativa, acreditam especialistas, um dos principais segredos da audiência do
programa, que tem batido a da
Globo nas edições dominicais
desde a estréia, em 28 de outubro
-anteontem, a média foi de 41
pontos no Ibope contra 22 do
"Fantástico", na Grande SP.
Os telespectadores, como se
acompanhassem uma novela, são
levados pela edição a querer saber
como a "história" continua. O reforço vem do narrador, que diz
frases como: "Será que eles vão fazer as pazes? Veja amanhã".
"A edição quase obedece a um
script. Interessa à direção criar
uma história ou várias histórias, o
que se assemelha à teledramaturgia. O casal Supla e Bárbara (concorrentes do "reality show') funciona da mesma forma que Jade e
Lucas (personagens da novela da
Globo "O Clone')", diz a dramaturga Renata Pallottini, coordenadora do Núcleo de Pesquisa de
Telenovelas da Escola de Comunicações e Artes da USP e autora
de "Dramaturgia de Televisão".
Para ela, a técnica de criar uma
novela com personagens "reais"
se apóia em dois pontos: a produção e a edição. "O programa é duplamente roteirizado. Primeiro
pela maneira como é produzido:
o que haverá na casa, os jogos, as
regras. O processo segue na edição: a seleção de cenas que formem uma sequência narrativa e
definam o vilão, a heroína, o mocinho. De espontâneo, não há nada, mesmo porque eles sabem
que estão sendo filmados e podem encarnar os personagens."
Lauro César Muniz, autor de
novelas da Globo e um dos criadores da Associação de Roteiristas de Televisão, diz que vê "com
grande curiosidade" o fenômeno
"Casa dos Artistas". "Assisti a alguns episódios para saber como
era essa "construção da dramaturgia espontânea" e achei muito interessante. As pessoas costumam
dizer que é vazio. Em alguns aspectos pode até ser, mas é humanamente muito rico", afirma.
Ele percebe características claras de um roteiro de novela no
"reality show". "Para o processo
de dramaturgia funcionar, é preciso haver um conflito. No programa, ele existe porque todos
querem o mesmo prêmio, e há a
eliminação por voto. O enriquecimento da tensão é gerado pelo
confinamento. Na edição, há a
síntese do que ocorre no dia, valorizando as relações humanas e
criando a identificação do público
com cada tipo de personagem."
A técnica não é exclusiva de
"Casa". Faz parte da essência do
formato "reality show". A gincana
de Silvio Santos, no entanto, está
mais para melodrama do que "No
Limite", principalmente pelo fato
de ter edições diárias, enquanto o
outro é semanal.
O intervalo maior é menos favorável à sequência narrativa. A novela da "vida real" chegará à Globo em 2002, com a estréia de "Big
Brother", que será diário.
Para ter detalhes de como se dá
a edição de "Casa dos Artistas", é
preciso tempo, paciência e o
"pay-per-view" da DirecTV, que
transmite o confinamento ao vivo, 24 horas. A reportagem da Folha acompanhou os artistas por
dois dias, na semana passada, e
comparou com as duas edições
feitas desse material para o SBT.
Além de cortar assuntos polêmicos, principalmente os que envolvam pessoas de fora do programa, a edição se concentra no
romance de Bárbara e Supla e nas
intrigas do jogo de eliminação.
Esse verdadeiro enredo de novela só é quebrado quando são
realizadas provas e brincadeiras.
Mas, na "vida sem edição", eles
não passam o dia falando da votação, criando intrigas ou se divertindo. E Supla e Bárbara não ficam 24 horas se beijando ou discutindo a relação. Há horas e horas de nada, de Alexandre Frota
deitado no sofá olhando para o teto, de Mari Alexandre lendo "Estação Carandiru", de Patrícia
Coelho abraçando a almofada e
de conversas sobre bolo de fubá.
E, quando o papo esquenta e os
artistas começam a falar dos bastidores do mundo "celebrity",
vem a atenta produção e muda a
câmera para o quintal vazio. Criar
"o real" é bem mais difícil ao vivo.
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