São Paulo, sábado, 11 de dezembro de 2004

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Os nomes da rosa

Livro de luxo coordenado pelo italiano Umberto Eco mapeia as mudanças nos conceitos de beleza ao longo da história

CASSIANO ELEK MACHADO
DA REPORTAGEM LOCAL

"Algo de belo é uma alegria para sempre", escreveu um poeta britânico há quase 200 anos. Pois acaba de chegar às prateleiras nacionais um livro que praticamente vira a (bela) frase de John Keats de ponta-cabeça.
"História da Beleza", luxuoso volume com a grife Umberto Eco, que a editora Record lança no Brasil, toma como um mote silencioso a idéia de que o belo é sempre algo diferente.
Passando ao largo dos subjetivismos à "quem ama o feio bonito lhe parece", Eco, 72, tenta documentar como o conceito de beleza se metamorfoseou ao longo de uns 3.000 anos de história ocidental. O "tour de force" pega o leitor diante de uma fotografia de uma escultura grega de uma mulher do século 2 a.C, na página 9, para deixá-lo com uma Kate Moss seminua clicada em 1994 por Herb Ritts para o Calendário Pirelli, no cantinho direito da página 428.
No meio deste caminho, entre Mona Lisas e "demoiselles" desfiguradas de Picasso, Eco debate questões básicas estéticas e polvilha centenas de citações, de Platão a Eric Hobsbawm, editadas como se fossem hipertextos.
Se em um trecho, por exemplo, o intelectual italiano afirma "Exemplo típico do sublime dinâmico é a visão de uma tempestade", a palavra tempestade é destacada.
Tanto esse recurso quanto a opulência de imagens -só até a página 35 estão reproduzidas 300 imagens- tem o mesmo ponto de partida. O projeto não nasceu como livro. A obra deriva de um CD-ROM, coordenado por Eco e lançado na Itália em 2002 com o título "Beleza, História de uma Idéia do Ocidente". O mesmo espaço da página 2 do livro que traz discretamente essa informação esclarece outro mistério do livro. É aparente a irregularidade (ou ao menos a não homogeneidade) dos 17 capítulos da obra.
As letras miúdas contam o porquê. Alguns textos foram escritos por Eco, ele mesmo. Oito capítulos, porém, são de autoria de Girolamo de Michele, professor da mesma Universidade de Bologna onde leciona o autor de "Apocalípticos e Integrados".
É justamente nesta jugular que voaram alguns caninos afiados. Uma crítica do jornal inglês "The Independent" diz que o nome de "um tal Girolamo de Michele" só aparece em letrinhas miúdas (a estratégia não foi da editora brasileira -que colaborou com outras pequenas falhas, como a atribuição da estranha data "XXX milênio a.C." à célebre escultura Vênus de Willendorf). "Este é o nível de reconhecimento que ele merece, ainda que tenha sido responsável pela discussão de muitos dos períodos-chave, a Antigüidade, a Renascença, o Iluminismo e o Romantismo."
Dois dos destaques do livro, por sinal, são capítulos que não esses. De grande erudição global, e em particular um fuçador compulsivo de documentos medievais, Eco desfaz com muita elegância o eterno lugar-comum da Idade Média como tempo de trevas absolutas -textos "iluminados" por amostras de cores vivíssimas de desenhos da época.
Se não ganha pela novidade ou pela profundidade, a clareza na análise da estética do século 20 como oposição de uma "beleza da provocação" modernista e da "beleza de consumo" da indústria cultural também passa bem.
Mas a festa é mesmo das imagens, muito bem diagramadas e impressas na Itália. São as "rosas", seja lá batizadas com que nomes, que garantem ao volume alguma "alegria para sempre".


HISTÓRIA DA BELEZA. Organização: Umberto Eco (com Girolamo de Michele). Tradução: Eliana Aguiar. Editora: Record. Quanto: R$ 150 (440 págs.).


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