São Paulo, sábado, 11 de dezembro de 2004

Texto Anterior | Próximo Texto | Índice

CONTO

"Minha Bela Putana", do mineiro Wander Piroli, ganha nova edição

Antologia faz elegia a uma BH desenganada pelo tempo

MARÇAL AQUINO
ESPECIAL PARA A FOLHA

Uma grande notícia para quem ama a literatura como experiência essencial de vida: Wander Piroli está de volta. Exatos 20 anos depois, período em que ele nada publicou, seu último livro, "Minha Bela Putana", acaba de ser reeditado. É uma boa oportunidade para conhecer (ou para reencontrar) um dos maiores contistas que este país produziu.
Mineiro de Belo Horizonte, onde ganhou a vida como jornalista, Wander Piroli estreou, em 1966, com "A Mãe e o Filho da Mãe", um magnífico conjunto de relatos curtos, que incluía contos como "Crítica da Razão Pura", "Trabalhadores do Brasil", "Um da Sorbonne" e "Festa", hoje elevados com justiça à condição de clássicos da narrativa brasileira contemporânea. Nesse livro, o escritor já estabelecia as linhas de força de sua literatura, sempre enunciada numa escrita enxuta, substantiva: o olhar lírico e solidário para as vidas miúdas e uma profunda indignação contra toda forma de opressão.
Não deixa de ser curioso que durante a década de 1970, época de ouro para o conto no Brasil, um mestre do gênero como ele tenha preferido publicar apenas novelas dirigidas ao público infantil -livros bem-sucedidos, como "O Menino e o Pinto do Menino" e "Os Rios Morrem de Sede", que, afinal, podem ser lidos com igual prazer e encanto também pelos adultos. Wander Piroli só voltaria ao conto em 1980, com "A Máquina de Fazer Amor", em que exercitava com ferocidade seu lirismo indignado e detectava o aparecimento da brutalidade como moeda de troca cotidiana.
De novo, a prosa era seca, sem ornamentos, como a maioria dos personagens focalizados. "Fla- shes" concisos de pequenas criaturas no corpo-a-corpo com a vida, narrados com uma simplicidade assombrosa e enganadora: o escritor já disse que burila a linguagem de seus contos de modo incansável, numa perseguição ao essencial.
Detalhe: ele tem um ouvido infernal para o alarido das ruas e os diálogos em seus textos soam com a familiaridade da conversa que acabamos de ouvir, durante o cafezinho, no balcão do bar. É preciso olhar e ouvir a vida antes de falar dela, essa é a verdade da literatura de Wander Piroli, que elege o humano como sua matéria-prima.
"Minha Bela Putana" é uma celebração às mulheres da noite e, em igual medida, uma elegia a uma Belo Horizonte desenganada pelo tempo. Com isso, um acento nostálgico atravessa as perambulações noturnas do narrador, que vivencia ou relembra seus encontros e desencontros amorosos, enquanto busca se reconciliar consigo mesmo. É um olhar que flagra o poético em meio ao sórdido, ao sujo, àquilo tudo que se perdeu de forma irremediável. Verdadeiras odes, alguns dos contos são apresentados como se fossem poemas, um procedimento caro ao escritor desde seu livro de estréia.
Mesmo quando se afasta do tema central do livro, os desenganos de um homem apaixonado por prostitutas, Wander Piroli mantém o foco no lirismo. O conto "Um Animal Ferido", que recupera como coadjuvante um dos personagens que já aparecera no magistral "Crítica da Razão Pura", é exemplar nesse sentido. Sintam o clima: "Eu não entendia o que o curiango estava querendo me dizer, mas tive a estranha certeza de que ele, com sua pequena inteligência, sabia de alguma maneira o que se passava e chegara ali, o mais próximo que um pássaro da sua espécie seria capaz de chegar, para fazer companhia a um animal ferido naquela noite enorme à beira do São Francisco".
Ao relançar "Minha Bela Putana", a editora Papagaio, que vem reeditando a obra de José Agrippino de Paula, recoloca em circulação um grande escritor brasileiro, cuja obra era uma raridade até mesmo em sebos nos últimos anos. Resta agora esperar pelos trabalhos recentes de Wander Piroli, que a Papagaio promete publicar -e ele anuncia que tem nove livros de contos inéditos.
Enquanto isso não acontece, os leitores também podem se deliciar com o volume contendo uma seleção de seus "melhores contos", publicado em 1996 pela Global e ainda disponível em catálogo. Vale a pena.


Marçal Aquino é escritor, autor de, entre outros, "Cabeça a Prêmio" e "Famílias Terrivelmente Felizes" (Cosac Naify)

Minha Bela Putana
   
Autor: Wander Piroli
Editora: Papagaio
Quanto: R$ 27 (144 págs.)


Texto Anterior: Vitrine estrangeira
Próximo Texto: "Nunca aos Domingos"/Novela: Minimalista, obra critica comodismo
Índice


Copyright Empresa Folha da Manhã S/A. Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução do conteúdo desta página em qualquer meio de comunicação, eletrônico ou impresso, sem autorização escrita da Folhapress.