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CONTO
"Minha Bela Putana", do mineiro Wander Piroli, ganha nova edição
Antologia faz elegia a uma BH desenganada pelo tempo
MARÇAL AQUINO
ESPECIAL PARA A FOLHA
Uma grande notícia para
quem ama a literatura como
experiência essencial de vida:
Wander Piroli está de volta. Exatos 20 anos depois, período em
que ele nada publicou, seu último
livro, "Minha Bela Putana", acaba
de ser reeditado. É uma boa oportunidade para conhecer (ou para
reencontrar) um dos maiores
contistas que este país produziu.
Mineiro de Belo Horizonte, onde ganhou a vida como jornalista,
Wander Piroli estreou, em 1966,
com "A Mãe e o Filho da Mãe",
um magnífico conjunto de relatos
curtos, que incluía contos como
"Crítica da Razão Pura", "Trabalhadores do Brasil", "Um da Sorbonne" e "Festa", hoje elevados
com justiça à condição de clássicos da narrativa brasileira contemporânea. Nesse livro, o escritor já estabelecia as linhas de força
de sua literatura, sempre enunciada numa escrita enxuta, substantiva: o olhar lírico e solidário para
as vidas miúdas e uma profunda
indignação contra toda forma de
opressão.
Não deixa de ser curioso que
durante a década de 1970, época
de ouro para o conto no Brasil,
um mestre do gênero como ele tenha preferido publicar apenas novelas dirigidas ao público infantil
-livros bem-sucedidos, como
"O Menino e o Pinto do Menino"
e "Os Rios Morrem de Sede", que,
afinal, podem ser lidos com igual
prazer e encanto também pelos
adultos. Wander Piroli só voltaria
ao conto em 1980, com "A Máquina de Fazer Amor", em que exercitava com ferocidade seu lirismo
indignado e detectava o aparecimento da brutalidade como moeda de troca cotidiana.
De novo, a prosa era seca, sem
ornamentos, como a maioria dos
personagens focalizados. "Fla-
shes" concisos de pequenas criaturas no corpo-a-corpo com a vida, narrados com uma simplicidade assombrosa e enganadora: o
escritor já disse que burila a linguagem de seus contos de modo
incansável, numa perseguição ao
essencial.
Detalhe: ele tem um ouvido infernal para o alarido das ruas e os
diálogos em seus textos soam
com a familiaridade da conversa
que acabamos de ouvir, durante o
cafezinho, no balcão do bar. É
preciso olhar e ouvir a vida antes
de falar dela, essa é a verdade da literatura de Wander Piroli, que
elege o humano como sua matéria-prima.
"Minha Bela Putana" é uma celebração às mulheres da noite e,
em igual medida, uma elegia a
uma Belo Horizonte desenganada
pelo tempo. Com isso, um acento
nostálgico atravessa as perambulações noturnas do narrador, que
vivencia ou relembra seus encontros e desencontros amorosos,
enquanto busca se reconciliar
consigo mesmo. É um olhar que
flagra o poético em meio ao sórdido, ao sujo, àquilo tudo que se
perdeu de forma irremediável.
Verdadeiras odes, alguns dos
contos são apresentados como se
fossem poemas, um procedimento caro ao escritor desde seu livro
de estréia.
Mesmo quando se afasta do tema central do livro, os desenganos de um homem apaixonado
por prostitutas, Wander Piroli
mantém o foco no lirismo. O conto "Um Animal Ferido", que recupera como coadjuvante um dos
personagens que já aparecera no
magistral "Crítica da Razão Pura", é exemplar nesse sentido. Sintam o clima: "Eu não entendia o
que o curiango estava querendo
me dizer, mas tive a estranha certeza de que ele, com sua pequena
inteligência, sabia de alguma maneira o que se passava e chegara
ali, o mais próximo que um pássaro da sua espécie seria capaz de
chegar, para fazer companhia a
um animal ferido naquela noite
enorme à beira do São Francisco".
Ao relançar "Minha Bela Putana", a editora Papagaio, que vem
reeditando a obra de José Agrippino de Paula, recoloca em circulação um grande escritor brasileiro, cuja obra era uma raridade até
mesmo em sebos nos últimos
anos. Resta agora esperar pelos
trabalhos recentes de Wander Piroli, que a Papagaio promete publicar -e ele anuncia que tem nove livros de contos inéditos.
Enquanto isso não acontece, os
leitores também podem se deliciar com o volume contendo uma
seleção de seus "melhores contos", publicado em 1996 pela Global e ainda disponível em catálogo. Vale a pena.
Marçal Aquino é escritor, autor de, entre outros, "Cabeça a Prêmio" e "Famílias
Terrivelmente Felizes" (Cosac Naify)
Minha Bela Putana
Autor: Wander Piroli
Editora: Papagaio
Quanto: R$ 27 (144 págs.)
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