São Paulo, sábado, 11 de dezembro de 2004

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"NUNCA AOS DOMINGOS"/NOVELA

Minimalista, obra critica comodismo

JOCA REINERS TERRON
ESPECIAL PARA A FOLHA

Raros autores contemporâneos mexicanos têm sido publicados por aqui, dentre eles Sergio Pitol, tradutor de Gombrowicz (e autor de "O Desfile do Amor"), além de outros mais para lá ou para cá do cânone, como Max Aub, Salvador Elizondo ou Juan Rulfo e Carlos Fuentes.
Por tal motivo há que se comemorar a recente edição de "Nunca aos Domingos - Uma Novela em 100 Capítulos", do contista e escritor de livros infantis Francisco Hinojosa, de geração mais recente que os citados e quase desconhecido por estas plagas.
A literatura da terra de Zapata é tão vigorosa a ponto de, ao contrário daqui, revistas literárias (como a "Generación") chegarem aos 15 anos circulando com relativa facilidade. E a longevidade desse tipo de publicação costuma ser parâmetro confiável para diagnosticar o estado de saúde da cultura de um país.
Praticando um minimalismo cuja economia de palavras é inversamente proporcional ao derramamento insensível de selvageria, Hinojosa cria um narrador verdadeiramente abjeto em "Nunca aos Domingos".
Em capítulos que têm no máximo sete linhas, o livro é perpassado por enormes silêncios existentes entre tais fragmentos, tão fundamentais quanto a avareza de texto para a compreensão da história. O leitor deve preencher esses espaços com sua imaginação e, nesse processo elíptico, podemos penetrar na cabeça cheia de más intenções do senhor Botas, misantropo, casado, pai de dois filhos, um homem que nutre um desprezo mortal pela mulher. Porém náuseas ainda mais intensas Botas sente pela "gorda do andar de cima", a quem pretende assassinar. E ele o faz, de maneira atabalhoada, para não dizer risível.
Nesse clima de policial neurótico (mas um policial onde os tiras são corruptos, relapsos e incompetentes), Hinojosa vai disparando críticas ao comodismo emburrecedor e aborrecido da classe-média mexicana (que parece sofrer de males semelhantes aos da brasileira -a "lei de Gérson" também parece existir por lá, além da certeza da impunidade), à rotina da vida familiar e a quem mais surgir diante de sua metralhadora verbal de poucos tiros.
A perfeita tradução que ele faz do modorrento circo cotidiano de afazeres domésticos e das hipócritas relações de escritório e de condomínio, adquire surpreendentes tons bizarros, culminando num pacato dia de domingo. Nada pode ser mais assustador.
Também é digno de destaque o projeto da Amauta Editorial, editora criada por cinco amigos com a intenção de divulgar a literatura latino-americana no Brasil.


Joca Reiners Terron é autor de "Hotel Hell" (ed. Livros do Mal), "Curva de Rio Sujo" (ed. Planeta), entre outros livros

Nunca aos Domingos
   
Autor: Francisco Hinojosa
Editora: Amauta
Quanto: R$ 18,60 (108 págs.)


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