|
Texto Anterior | Próximo Texto | Índice
"NUNCA AOS DOMINGOS"/NOVELA
Minimalista, obra critica comodismo
JOCA REINERS TERRON
ESPECIAL PARA A FOLHA
Raros autores contemporâneos mexicanos têm sido publicados por aqui, dentre eles Sergio Pitol, tradutor de Gombrowicz (e autor de "O Desfile do
Amor"), além de outros mais para
lá ou para cá do cânone, como
Max Aub, Salvador Elizondo ou
Juan Rulfo e Carlos Fuentes.
Por tal motivo há que se comemorar a recente edição de "Nunca
aos Domingos - Uma Novela em
100 Capítulos", do contista e escritor de livros infantis Francisco Hinojosa, de geração mais recente
que os citados e quase desconhecido por estas plagas.
A literatura da terra de Zapata é
tão vigorosa a ponto de, ao contrário daqui, revistas literárias
(como a "Generación") chegarem
aos 15 anos circulando com relativa facilidade. E a longevidade desse tipo de publicação costuma ser
parâmetro confiável para diagnosticar o estado de saúde da cultura de um país.
Praticando um minimalismo
cuja economia de palavras é inversamente proporcional ao derramamento insensível de selvageria, Hinojosa cria um narrador
verdadeiramente abjeto em
"Nunca aos Domingos".
Em capítulos que têm no máximo sete linhas, o livro é perpassado por enormes silêncios existentes entre tais fragmentos, tão fundamentais quanto a avareza de
texto para a compreensão da história. O leitor deve preencher esses espaços com sua imaginação
e, nesse processo elíptico, podemos penetrar na cabeça cheia de
más intenções do senhor Botas,
misantropo, casado, pai de dois
filhos, um homem que nutre um
desprezo mortal pela mulher. Porém náuseas ainda mais intensas
Botas sente pela "gorda do andar
de cima", a quem pretende assassinar. E ele o faz, de maneira atabalhoada, para não dizer risível.
Nesse clima de policial neurótico (mas um policial onde os tiras
são corruptos, relapsos e incompetentes), Hinojosa vai disparando críticas ao comodismo emburrecedor e aborrecido da classe-média mexicana (que parece sofrer de males semelhantes aos da
brasileira -a "lei de Gérson"
também parece existir por lá,
além da certeza da impunidade),
à rotina da vida familiar e a quem
mais surgir diante de sua metralhadora verbal de poucos tiros.
A perfeita tradução que ele faz
do modorrento circo cotidiano de
afazeres domésticos e das hipócritas relações de escritório e de condomínio, adquire surpreendentes
tons bizarros, culminando num
pacato dia de domingo. Nada pode ser mais assustador.
Também é digno de destaque o
projeto da Amauta Editorial, editora criada por cinco amigos com
a intenção de divulgar a literatura
latino-americana no Brasil.
Joca Reiners Terron é autor de "Hotel
Hell" (ed. Livros do Mal), "Curva de Rio
Sujo" (ed. Planeta), entre outros livros
Nunca aos Domingos
Autor: Francisco Hinojosa
Editora: Amauta
Quanto: R$ 18,60 (108 págs.)
Texto Anterior: Conto: Antologia faz elegia a uma BH desenganada pelo tempo Próximo Texto: Teatro/Crítica: Montagem lapida os atores do grupo Oficina Índice
|