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"ATRAVÉS DE UM ESPELHO'/"LUZ DE INVERNO"
Filmes vêem maturidade de Bergman
TIAGO MATA MACHADO
CRÍTICO DA FOLHA
O início , surpreendente,
marca o encontro de Ingmar
Bergman com a ilha de Farö, paisagem que inspiraria seus melhores filmes e hoje inspira a velhice
solitária do diretor. Uma imagem
de fundo bíblico, quatro silhuetas
saindo do mar ao alvorecer: uma
apresentação sucinta, direta dos
personagens, o "pulo do gato" de
um cineasta pronto a ingressar
em sua melhor fase.
"Através de um Espelho" (1961)
abre a "trilogia do silêncio", centrada na questão da existência de
Deus -"Luz de Inverno" e "O Silêncio" fecham o pacote. O título é
a citação de uma epístola de são
Paulo: "Agora nos vemos como
através de um espelho, obscuramente; depois nos veremos face a
face". Uma referência ao problema de Karim (Harriet Andersson) -em torno do qual gravitam o pai, o marido e o irmão.
Presa a um surto de esquizofrenia
religiosa, ela tem um encontro
marcado com Deus atrás do papel
de parede.
A segunda seqüência do filme é
uma evidência do amadurecimento de Bergman como dramaturgo. Da exposição do problema
de Karim à investigação de suas
causas, é todo um romance familiar que se apreende de uma cena
diabolicamente simples: o pai exibe os presentes burocráticos que
trouxe de sua última viagem e, em
retribuição, os filhos encenam,
em uma peça teatral, o seu amor
não-correspondido. O romance
familiar bergmaniano começa seguindo o clássico roteiro freudiano: a ausência do pai gerando o
sentimento religioso.
Em "Luz de Inverno" (1962),
Bergman parte do ponto de chegada do filme anterior, levando às
últimas conseqüências a fala conclusiva do personagem de Gunnar Bjornstrand ao final de "Através": "O amor é Deus, Deus é o
amor". O próprio Bjornstrand faz
o pastor que, tendo perdido a fé,
encontra sua única salvação no
amor monstruoso de Martha (Ingrid Thulin, o motor do filme). Ao
profanar esse amor, ele se vê diante do silêncio de Deus.
O escritor que vampiriza a esquizofrenia da filha em "Através",
o pastor que inveja a fé dos fiéis
em "Luz de Inverno": os personagens parasitários que Bjornstrand
encarna na trilogia, espécies de
autômatos habitados pelo silêncio, traduzem certo estado de alma do autor. Bergman se depara
com seu niilismo. O niilismo do
rosto humano, como ele irá descobrir nos filmes seguintes.
Bergman aprimora-se como
dramaturgo nesses filmes com o
mesmo empenho com que irá se
testar como cineasta em "O Silêncio", desfecho de uma trilogia que
pode ser vista como uma longa
preparação para as obras-primas
bergmanianas. Nos rostos dissonantes das irmãs de "O Silêncio",
há o embrião de "Gritos e Sussurros", na angústia do escritor de
Bjornstrand, o esboço do pintor
de "A Hora do Lobo", e no cuidado com que cerca a loucura e o
mistério da psique feminina em
"Através", a origem da abordagem sem rodeios de "Persona".
Através de um Espelho/Luz de Inverno
Direção: Ingmar Bergman
Distribuidora: Versátil (R$ 37,50, em
média, cada um)
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