São Paulo, sexta-feira, 11 de dezembro de 2009

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Governo defende filmes populares

Plano é atrelar apoio a resultado das produções, atraindo a classe C

Público do cinema nacional quase dobrou em 2009; migração de incentivo para títulos comerciais preocupa produtores independentes


ANA PAULA SOUSA
DA REPORTAGEM LOCAL

Acalentado pelo sucesso de quatro comédias que, juntas, venderam mais de 12 milhões de ingressos, o governo quer apostar seus incentivos em filmes de "comunicação com o público". Durante um encontro com donos de salas de exibição, em São Paulo, o presidente da Agência Nacional de Cinema (Ancine), Manoel Rangel, trouxe à tona a intenção de atrelar o apoio financeiro ao resultado das produções.
"Deve haver uma proporção entre o que o Estado investe e o retorno", diz Rangel. "Um filme que faça 200 mil espectadores deve ter um orçamento e um lançamento compatíveis com seu tamanho." Deve ser essa a base, inclusive, da nova linha de investimentos do Fundo Setorial do Audiovisual, a ser anunciada na semana que vem.
A declaração sucedeu o anúncio de um plano de construção de 600 novas salas, nos próximos quatro anos, em lugares carentes de telas. Assentado em oferta de crédito e desoneração tributária, o projeto, orçado em R$ 550 milhões, pretende desfazer o nó da exibição.
Concentrado nas classes A e B, o circuito atende a cerca de 10% da população. O Brasil, hoje, possui uma sala para 85 mil habitantes. Na Argentina, a proporção é de 38 mil e, nos Estados Unidos, de 8 mil.
"Esperamos um aumento de 50% na venda de ingressos, mas isso tem que estar vinculado à existência de filmes populares", diz Rangel. "A mudança de patamar do audiovisual brasileiro está na classe C. Um filme só faz mais de 1,5 milhão de ingressos se atrai a classe C."

Ideologia do sucesso
A endossar a tese de Rangel estão os resultados deste ano. O salto na renda dos filmes brasileiros, de R$ 89 milhões em 2008 para R$ 129 milhões até novembro deste ano, se deve, basicamente, a produções de vocação popular.
Os filmes mais vistos foram "Se Eu Fosse Você 2", "A Mulher Invisível", "Os Normais 2", "Divã", "O Menino da Porteira" e "Besouro". A exemplo de outros campeões da década, como "Carandiru" ou "Dois Filhos de Francisco", todos venderam um bom número de ingressos em salas localizadas fora do dito circuito de elite.
"Num mercado capenga como o brasileiro, essa medida do sucesso é um perigo", rebate o diretor Walter Lima Jr., de "Os Desafinados". O cineasta pondera que muitos filmes brasileiros não chegam ao público pela simples razão de quem não têm espaço no circuito ou a publicidade da Globo por trás. "O risco é que se crie uma ideologia global, nascida na TV, que passe a dominar o cinema. E, enquanto isso, a classe C continua baixando filmes na internet ou comprando na esquina."
Para o cineasta Ugo Giorgetti, de "Boleiros", não se pode perder de vista que as classes C e D veriam filmes brasileiros se eles passassem na TV. "Além disso, eu me pergunto: "O que é um filme para a classe C?". A produtora Sara Silveira, de "É Proibido Fumar" e de outros títulos premiados em festivais, responde: "A classe C veria qualquer filme desde que os ingressos fossem mais baratos".

Ajuda para o mercado
Sustentada, sobretudo, por incentivos fiscais, a produção nacional atravessou os anos 2000 tendo como esteio os concursos de empresas como Petrobras e BNDES. Mais recentemente, foram criados novos formatos, de fundos de investimento, que tentam estimular a busca por melhor desempenho na bilheteria.
"A política audiovisual tem um viés assistencialista, mas deveria ser tratada como política de desenvolvimento industrial", diz Sérgio Sá Leitão, presidente da RioFilme.
Mas filmes embalados para o mercado precisam de verba pública? "Eles precisam de apoio para que, em alguns anos, caminhem sozinhos", diz a produtora Vânia Cattani. "A esquizofrenia entre indústria e arte sempre existiu. Se estamos vivendo isso é porque o mercado está crescendo."


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