São Paulo, sexta-feira, 11 de dezembro de 2009

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CINEMAS/ESTREIAS

Crítica/ "Aconteceu em Woodstock"

Woodstock de Ang Lee é paz, amor e negócios

Longa contrasta valores puritanos de cidadezinha com o festival de 1969

INÁCIO ARAUJO
CRÍTICO DA FOLHA

Para evitar decepções, é preciso dizer logo de cara que o espectador de "Aconteceu em Woodstock" não verá nem sequer um show de Woodstock. Nisso, aliás, está empatado com o protagonista do filme, o jovem Elliott Tiber (Demetri Martin), em cujas memórias o filme se baseia.
Filho dos donos de uma pousada prestes a falir em Catskills, Elliott Tiber intui a oportunidade de salvar a propriedade familiar quando outra cidade recusa-se a receber o que seria o marco da contracultura, no final dos anos 1960. Este é, de resto, o grande momento do filme: quando tomamos contato com a cidadezinha (reacionária, como se presume) ou quando os primeiros responsáveis pelo festival aparecem no hotelzinho (estranha cena: primeiro, os hippies, à frente; logo atrás, cheios de pastas e ternos, os homens de negócio).
Não se imagina ainda a dimensão que o festival vá tomar. E é a graça das coisas que acontecem sem que se possa esperar que leva o início do filme: a caracterização da cidadezinha, a mãe mesquinha a ponto de superar o clichê esboçado, o pai triste, o hotel sórdido, os antissemitas...
É claro que não falta a televisão informando acontecimentos que, aparentemente, pouco interessam ao local: a guerra no Vietnã e a conquista da Lua, sobretudo: a guerra, em especial, deve ser o contraponto a Woodstock. A proposição "paz e amor" surgia como manifesto pacifista; a música (e as drogas e os hábitos liberadores) significavam uma adesão dos jovens a modos de vida distantes da tradição puritana, em crise.
O que há de mais significativo no filme cessa por aí. Como se não quisesse realmente se aprofundar no que foi aquele momento. Como se isso fosse um certo incômodo, Ang Lee prefere ciscar um pouco em toda parte: o movimento, o improviso, a multidão, a farra.
Termina por patinar, o que não surpreende. Seu ponto, como em todo filme, é a sexualidade, ou antes, a homossexualidade. O que Woodstock provoca em Elliott, cujo lado gay parece pedir uma chance desde o fotograma inicial.
Como se evitasse, ao remexer nas cinzas de Woodstock, ser acusado de agitar as águas também turvas das guerras atuais em que os EUA se acham afundados, o filme deixa bem claro como o célebre festival foi, afinal, tremendamente americano: é pelo destaque que dá, na discrição e no silêncio que adotam, aos homens de terno por trás de roqueiros e hippies.
Woodstock é visto assim, sobretudo, como um negócio. Não muito diferente de Hollywood, afinal. Na guerra ou na paz, em tempos de revolução ou reação, este filme, nunca desagradável e poucas vezes tolo (apenas em momentos que dizem respeito à mãe), afirma uma essência imutável da América: o show não pode parar.


"ACONTECEU EM WOODSTOCK"

Direção: Ang Lee
Produção: EUA, 2009
Com: Demetri Martin, Emile Hirsch
Onde: Espaço Unibanco Augusta, HSBC Belas Artes e circuito
Classificação: 16 anos
Avaliação: bom




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